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Como Era No Princípio

por T. Austin-Sparks

Capítulo 4 - Cristo e Sua Igreja em Oculto

‘...o mundo não nos conhece, porque não conheceu a Ele’ (1 Jo. 3.1).

Em nossa busca pelas diferenças entre as coisas hoje e como elas eram nos primeiros anos do cristianismo, vamos logo deixar claro que isto não é nenhum desejo inútil de fazer comparações e simplesmente deixá-las lá. É sempre uma coisa muito fácil e geralmente infrutífera encontrar e fazer comparações, e não é muito inteligente fazer isto. Em nossa busca há apenas um objetivo dominante: é descobrirmos se as diferenças representam um ganho ou uma perda real. Podemos achar que somos levados a uma conclusão mais do que genérica em relação ao cristianismo como um todo. A probabilidade é que problemas espirituais na vida do cristão individual podem ter luz lançada sobre eles. Porém devemos começar com o princípio fundamental e com a diferença maior. Esta diferença é fácil de ver, e é muito grande de fato.

A citação da carta de João (ao longo da qual muito mais poderia ser explorada) contém uma afirmação categórica: ‘o mundo não nos conhece’, e isto está ligado a uma desaprovação e uma interpretação mais ampla, mais drástica, mais ampla: ‘porque não conheceu a Ele’. Esta é uma simples e óbvia afirmação do fato: o fato de que tanto o Filho de Deus e a igreja de Deus poderiam estar aqui neste mundo em contato bem próximo com as pessoas, com todas as maravilhas e milagres do Divino propósito, e o mundo continuar num estado de completa incapacidade para identificá-los _ ‘não os conhece’.

Isto não significa que o mundo estava inconsciente de sua presença. Muito pelo contrário! O mundo estava muito longe de ser capaz de ignorá-los. Eles tinham que considerá-los. Porém, quanto a sua verdadeira identidade e significância, o mundo não podia compreender. De tempos em tempos, o mundo, que precisa reduzir tudo a uma fórmula, a uma etiqueta, a um nome, fez uma tentativa de encerrar esta inescrutabilidade numa palavra, ou frase, ou epíteto. Ele cunhou um termo e apelidou-os de ‘cristãos’, ou pessoas ‘do caminho’, ou uma ‘seita’. Esta é a maneira de agir do mundo. Ele precisa reduzir o infinito, o eterno, à medida de sua própria mente. Mas a pergunta que é vital para nós é se esta posição secreta foi ganho ou perda. Pedimos licença para afirmar sinceramente que foi um ganho indescritível, tanto no caso de Jesus como de Sua Igreja, de que a real natureza, virtude, poder e significância de sua presença neste mundo estivesse exatamente no fato de que havia um segredo que estava além da compreensão natural. Embora eles desejassem que os demais homens pudessem entrar pelo mesmo caminho que iria tornar este segredo real também para eles, era apenas no conhecimento de que um milagre divino estava no coração daquela experiência que a força de Cristo e da igreja repousava. O mistério intrigava, confundia, frustrava, enfurecia o mundo, ou deixava-o pensativo. Carne e sangue não podiam revelar aquele mistério, somente o Deus Todo Poderoso! ‘O mundo não nos conheceu’, isto não era nenhuma queixa, nem lamentação de derrota, e nem uma confissão de que algo faltava neles. Eles sentiam pelo mundo, não por eles mesmos.

O poder deles repousava nesta diferença fundamental. Porém, o tempo chegou, muito cedo, quando esta distinção começou a se render, em troca por uma ‘reputação’ com o mundo, e isto dá força à nossa pergunta: A igreja ou o cristianismo ganhou realmente com esta troca? O cristianismo agora recorre a cada meio concebível por meio do qual ele possa ganhar posição, reconhecimento e prestígio, e na qual o mundo possa facilmente compreendê-la. Para o seu próprio sucesso ela precisa ter nomes, títulos, designações, honras, etc. Se os cristãos não se ‘conformarem’, não ‘pertencerem’, não tomarem um nome, e não se explicarem a si mesmos, eles são suspeitos, intrusos, e sem ‘reputação’; não importa quais possam ser os seus valores espirituais. ‘Seita’ tornou-se um epíteto, uma expressão de escárnio, como nos tempos apostólicos. Nesta linha o cristianismo se expandiu, tornou-se grande, porém, a pergunta é premente em muitas honestas e sérias mentes quanto a se o valor intrínseco poderá ser comparado com aquele do princípio. Não é impressionante ver como, embora aquilo que teve um início forte, profundo, rico e eficiente tenha sido ‘aceito’ pelo mundo, especialmente o mundo religioso, marcas de perda espiritual se mostram? De quantos ministérios e instrumentos iniciados em Deus estão nesta situação. De algo do céu, contendo uma profunda e valiosa história espiritual, e possuindo o dinamismo e o impacto da presença divina, ao seu posterior desenvolvimento numa ‘instituição’ que está de bem com os homens, com toda a sua grandiosidade, tornou-se uma mera sombra de sua origem, em relação ao seu profundo e espiritual poder. Há hoje pouco, ou nenhum ‘mistério’ sobre ela. Não possui nada de inescrutável e inexplicável nela. Ela pode ser atribuída principalmente à habilidade humana.

Vamos nos apressar em inserir uma palavra de caráter protetora. Nós não estamos dizendo que é uma coisa errada para os cristãos, como pessoas privadas, terem ganho, honras, diplomas, títulos, ou designações. Estamos cientes de um movimento ultra-exclusivista no qual, para se ter comunhão, reconhecimento, e participação na Mesa do Senhor, é exigido que se repudie e se renuncie todos os diplomas profissionais, acadêmicos, e outros. Nós não estamos definitivamente apoiando isto. Em suas áreas essas coisas têm o seu lugar. O que estamos dizendo é que, se o cristianismo procura fazer dessas coisas a base de sua força, de seu apelo, ou de seu status, ele irá se desviar e conseqüentemente irá sofrer a perda do poder espiritual. ‘O mundo não nos conhece’, e qualquer tentativa de colocar valor humano no lugar daquele segredo espiritual se mostrará desastroso. Quando o termo ‘instituição’ começa a aparecer largamente no vocabulário cristão, isto pode significar que uma mudança aconteceu que não foi para melhor.

O desafio a muitos corações é no sentido de saber se eles estão preparados para serem mal compreendidos, não reconhecidos, não valorizados e não aplaudidos neste mundo, e viverem somente para os valores eternos. Tem sido dito do apóstolo Paulo que ‘ele vivia somente com os valores eternos em vista’. Ele estava correto?

Um apóstolo diz: ‘O mundo não nos conhece... não conheceu a Ele’. Um outro diz: ‘A ardente expectação da criação aguarda pela manifestação dos filhos de Deus’ (Rm 8.19). Haverá algumas surpresas quando isto acontecer _ em ambos os sentidos!

Somente o Espírito do Filho, e aqueles que têm esse Espírito, conhecem os filhos de Deus. Deus os escondeu do mundo. É doloroso não ser reconhecido, porque isto é contrário à nossa natureza _ como é. O mundo precisa ver os embelezamentos, as honras, as vestimentas, os títulos, a fim de levar em conta. No princípio não era assim. ‘Eles tomaram conhecimento de que aquelas pessoas tinham estado com Jesus’. Há uma maneira correta na qual o mundo deve nos conhecer, isto é, saber que estamos aqui, e que somos algo que ele não pode compreender.

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