Austin-Sparks.net

A Administração do Mistério - Volume 2

por T. Austin-Sparks

Capítulo 2 – O Homem na Mensagem


Isto aqui não pretende ser algo tipo a “Vida do Apóstolo Paulo”, mas tem mais a ver com o significado particular deste servo de Jesus Cristo. Embora haja aqueles fatores vitais e essenciais no caso dele que devem ser verdade em cada servo de Cristo, e que são básicos para todo ministério frutífero (como iremos mencionar mais tarde), tudo sobre Paulo indica que ele era de fato “um vaso escolhido (eleito)”, conhecido de antemão, preordenado e selecionado. Isto era verdade particularmente na natureza do ministério para o qual ele foi “preso”. A mesma natureza de ministério pode — em medida — ser o “chamado” de outras pessoas, mas Paulo foi o pioneiro. Todos os apóstolos permaneceram no mesmo terreno, no que tange aos fundamentos da fé: a Pessoa de Cristo; a obra de Cristo; redenção; justificação; santificação; a comissão para pregar salvação em Cristo para todo o mundo; a segunda vinda do Salvador, etc. Eles tinham a mesma fundação. Cada um pode ter tido “graça Segundo a medida do dom de Cristo”; isto é, segundo o dom pessoal deles, seja Apóstolo, Profeta, Evangelista, Pastor ou Mestre, cada um teve “graça” — unção, capacitação — conforme a responsabilidade, mas nas “fundações”, isto é, em questões de fundamentos, eles estavam de acordo e eram um. Seja lá o que possamos falar, distinguindo Paulo, nem por um momento podemos tirar nem sequer um pequeno fragmento do grande ministério de João, ou de Pedro, ou Tiago, ou dos demais. Jamais o nosso Novo Testamento poderá sofrer a perda daqueles ministérios, e em alguma parte nós nos gloriamos neles. Quando tudo foi dito quanto ao valor deles — e seria um grande “tudo” — nós ainda temos que afirmar que havia, e há, aquilo que é único e particular no que veio através de Paulo. Permita-me dizer algo muito significativo e proveitoso antes de prosseguir.

Jamais teria sido possível a Paulo compreender sua vida antes da conversão até que ele viesse a estar debaixo das mãos de Jesus Cristo. Aquela vocação a qual ele tinha sido chamado quando Jesus se tornou o seu Senhor lança muita luz sobre a soberania de Deus na história passada dele. Este é um princípio que irá ajudar muitas pessoas e servos de Deus, o qual mostra quão imensamente importante é que Jesus seja não só o Salvador, mas o Senhor. Iremos ver isto melhor mais tarde. O nascimento judaico de Paulo, sua criação, treinamento, educação e profunda integração naquilo do qual ele iria ser libertado pelo poder de Deus, por se tratar de algo do qual Deus não mais necessitaria, é, em si mesmo, de tremendo valor educativo. O porquê de Deus, em sua presciência, ter mergulhado um homem em algo que, em última análise, não representa a sua mente é um ponto a ser observado. Muitos há que arguem isto, por desejarem muito saber se, pelo fato de Deus tê-los colocado em certo caminho, trabalho, forma, associação, devem eles permanecer lá para sempre, quer queiram, quer não. A história de Paulo diz NÃO a este argumento. Os caminhos de Deus, no caso de Paulo, mostram que Ele pode fazer tal coisa, e que toda a Sua soberania realmente pode estar no negócio, mas apenas para um determinado propósito, e um temporário propósito, a saber, dar um profundo e exaustivo conhecimento através daquilo que realmente, na melhor das hipóteses, é uma limitação ao pleno propósito de Deus. É necessário para um servo eficiente de Deus ter um conhecimento pessoal daquilo do qual o povo precisa ser libertado. Abraão precisa conhecer a Caldeia; Moisés precisa conhecer o Egito; Davi precisa conhecer a falsidade do reino de Saul. Assim, Paulo teve que conhecer o proscrito judaísmo, a fim de poder falar dele com autoridade, a autoridade da experiência pessoal. Se fôssemos o salmista, colocaríamos um “Selá” aí. “Pense nisto!”

Mas devemos sublinhar dois aspectos deste princípio. Estamos nos referindo àquilo que definitivamente estava dentro da divina obra de ‘operar todas as coisas Segundo o conselho de Sua própria vontade’, e “segundo o Seu propósito”. Paulo não estava mudando o seu Deus na conversão, Jeová seria o seu Deus para sempre. A mudança ocorreu no método de Deus. Ainda era Deus em operação. Falamos isto porque ninguém pode dizer que, só porque eles nasceram e cresceram desta ou daquela maneira, que a “providência” (significando Deus) pretendia que esta fosse a condição deles para sempre. Devemos ser do jeito que somos e permanecer onde estamos pela vontade soberana de Deus, e precisamos saber que, sem dúvida alguma, qualquer mudança significativa é igualmente de Deus, e a única maneira de nos livrarmos dela é por meio de clara desobediência à vontade de Deus apresentada a nós; um desviar-se do caminho. Certamente teremos demandas em nossa caminhada de fé com Deus, porque o elemento de aparente contradição pode estar presente. Nós não sabemos que batalhas mentais e da alma Paulo teve. Não está registrado que, devido à imensa revolução, ele tenha arrazoado com o Senhor – ‘Bem, Senhor, por sua própria vontade soberana eu nasci um judeu, e isto mais do que termos gerais: “da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, um hebreu de hebreus ... um fariseu”. E agora, Senhor, tu estás requerendo que eu tome um curso que repudia e contraria tudo isto. Não é do teu feitio, Senhor, contradizer-se a Si mesmo; isto parece tão inconsistente. É como se eu não tivesse sido temente a Deus e não tivesse fé em Ti’. A mudança foi assim tão revolucionária que parecia haver dois caminhos contrários no mesmo Deus. Aqui estava uma grande ocasião para “confiar no Senhor de todo o coracão, e não se apoiar em seu próprio entendimento”. Poderíamos citar os casos de muitos servos de Deus, os quais foram levados a uma crise entre a razão e a fé, quando Deus estava exigindo deles respostas que pareciam contradizer toda a Sua direção anterior. Algumas delas exigiram muita obediência. Alguns viveram para serem exemplos de pessoas que perderam o caminho, ou o melhor de Deus.

Tudo isto tem a ver com a soberana preparação de um servo de Deus, para que ele pudesse verdadeiramente conhecer, por meio de uma profunda experiência, aquilo sobre o qual ele está falando. Isto, então, em resumo, quanto ao seu relacionamento judaico.

Mas Paulo foi eleito e destinado para ser o mensageiro especial de Deus às nações, e não apenas a uma. As nações estavam principalmente sob o domínio do governo romano e da cultura e língua grega. Através de seu pai, Paulo herdou a cidadania romana e, por meio do seu nascimento e de sua educação em Tarsus, ele teve tanto a língua como a vida e a cultura grega de primeira classe. Estas três coisas – judaísmo, cidadania romana e lingua grega – deu-lhe acesso com facilidade a praticamente todo o mundo. Porém, somado a toda esta qualificação natural estava aquilo sem o qual Paulo jamais teria sido o fator real que a história testifica; ele foi ungido com o Espírito Santo. Muitas vezes a unção compensou a muita deficiência na educação e no nascimento, e os homens fizeram uma história espiritual que jamais teria sido reconhecida em terrenos meramente naturais. O Senhor tomou todas as providências para que Paulo jamais pudesse tirar vantagens naturais no terreno do seu verdadeiro sucesso. Isto estava implícito ou indicado nas primeiras palavras registradas do Senhor a respeito dele (a Ananias) após a sua conversão: “Eu irei mostrar a ele o quanto importa sofrer por minha causa”. (Atos 9:16).

A soberania de Deus é multi-facetada e possui muitos caminhos. É apenas quando a história plena é contada que temos a verdadeira explicação. No início e durante o percurso pode haver espaço para muitos “por quês?”. Um Moisés e um Jeremias pode, com aquilo que estão convencidos, ser uma total deficiência ou contradição, mas a história sai em defesa de Deus e, no final, Sua sabedoria é justificada. Quando Deus diz “este é um vaso escolhido”, é porque Ele conhece tudo a respeito do barro do qual o vaso é feito. Como veremos, as duas coisas implícitas as quais acabamos de nos referir irão se tornar incrivelmente aparentes. A primeira é que o mensageiro e a sua mensagem são uma coisa só; a mensagem é a constituição do homem e sua própria história sob a mão de Deus. E a segunda é que o homem não é apenas reconhecido por suas qualificações naturais, mas proeminentemente por Deus o ter ungido para ocupar sua posição e obra. Nenhum homem pode estar em qualquer uma delas, a não ser que ocupe uma posição completamente falsa, que se refira a algo que ele diga sem que tenha tido a experiência real. O homem, por exemplo, somente pode falar de quebrantamente se ele próprio tenha sido quebrado. Todo o ministério de Paulo foi fruto de uma história contínua com Deus de experiências profundas e geralmente dolorosas de conflitos. Era o “despojo da batalha”. É absolutamente imperativo que possa ficar óbvio e manifesto que qualquer posição, função e ministério de alguém em relação a Cristo seja resultado da unção, para que a impressão e conclusão das pessoas seja esta: “este homem sem dúvida alguma foi ungido para este trabalho!” Unção simplesmente significa que a presença de Deus é muito evidente na vida da pessoa em questão, naquilo que ela está fazendo e na posição que ela está ocupando. Estar fora da posição é estar sem a unção neste particular. Nós não podemos escolher ou decidir o nosso lugar e função. Isto é algo orgânico, e assim como é desajeitado para a perna tentar fazer o papel de braço no corpo humano, assim também haverá sempre algo errado quando assumirmos um trabalho ou posição para a qual a soberania do Espírito não nos tem escolhido. Com todas as adversidades e oposições, é muito importante sabermos que estamos onde estamos por causa da determinação Divina, e não por nossa própria vontade. É uma coisa boa quando sabemos qual é e qual não é a nossa função, e respondemos em conformidade. Há funções suficientes no corpo para que cada membro, debaixo da unção, tenha a sua, de modo que a função irá expresser-se a si mesmo tão naturalmente como um olho vê, um ouvido ouve, uma mão segura, e assim por diante, desde que a cabeça esteja em pleno controle. Paulo tem muito a nos ensinar sobre este assunto, primeiro por meio de sua própria vida, e, então, por meio de seus escritos. A esta altura nós somos trazidos de volta ao ponto onde divergimos da mensagem para o homem, e devemos agora considerar esta diferenciação de função para a qual Paulo foi particularmente escolhido e preso.

A Distista Vocação de Paulo

Que houve uma diferente e peculiar importância no ministério de Paulo há um número considerável de evidências e atestações. Ele próprio sabia desta distinção e a ela frequentemente fazia referência, tanto em relação à sua substância como à maneira como recebeu o seu ministério. Isto está expresso em palavras como estas:

“a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada”; “como me foi este mistério manifestado por meio de revelação... por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo”; “a mim me foi dada esta graça... e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério” (Efé. 3:2–4, 8, 9).

Embora Paulo não diga que apenas ele teve o “mistério” revelado, ele afirma que, como ministério, como dispensação, o mistério foi revelado a ele de forma distintamente, diretamente do céu. Ele afirmava ter sido feito prisioneiro deste ministério específico. O que foi esta revelação será discorrido ao longo do que ainda temos paara escrever. Para o momento, estamos apenas focados na vocação específica de Paulo.

Não menos importante, entre as evidências também estavam a fúria, as ofensas, o ódio, a malícia e a crueldade assassina do Diabo e de suas forças que, incansavelmente estavam focadas sobre este homem. Isto, seguramente, foi por causa da revelação que estava vindo por meio dele, e não por causa dele em si. E a coisa toda começou e se desencadeou sobre a mesma questão antes mesmo que Paulo fosse chamado. Para ver e compreender isto, temos que voltar para o homem que anteriormente tinha visto aquilo que a Paulo foi mostrado. Referimo-nos a Estevão, o primeiro mártir cristão, e ficamos profundamente comovidos quando lemos a história de sua morte. Mas quão pouco Estevão tinha compreendido, e quão cegos nós temos sido para o real significado de sua morte — a morte dele por meio dos homens controlados por Satanás.

Estevão – o precursor de Paulo

Uma consideração cuidadosa do discurso de Estevão diante do sinédrio judaico irá mostrar que ele foi uma espécie de ‘prefácio’, uma introdução, ao ministério de Paulo. Se Estevão tivesse continuado vivo, paira uma dúvida se ele e Paulo não teriam formado uma ponderosa parceria na Dispensação do Mistério. Isto, naturalmente, supondo que o Senhor não houvesse predito que Estevão seria morto, e que, nesta presciência, Ele não tivesse designado Paulo como o único despenseiro deste mistério em sua plenitude. A soberania Divina raramente tem sido evidenciada mais do que foi no episódio qem que Paulo assistiu a morte de Estevão, embora como cúmplice dela. Na medida que acompanhamos Estevão em seu longo discurso, seguindo sua mente desde Abraão, Isaque, Jacó, os patriarcas, José, Israel, Moisés, Egito, o êxodo, Sinai, o tabernáculo, o deserto, Josué, Davi, Salomão, o templo, os profetas, até Cristo, o “Justo”, há algo que domina a mente de Estevão, a qual é a chave de tudo e que - mais do que qualquer outra coisa – explica, define e caracteriza Paulo e o seu ministério. Este algo é que Deusestá sempre, de eternidade em eternidade, avançando para um objetivo final. Através da queda do homem e da satânica obstrução e tentativa de frustração; por meio de uma variedade de formas, meios e pessoas, em todas as gerações e eras, Deus está sempre prosseguindo. Seus desejados e seletos instrumentos podem até se tornar mais um impedimento do que uma ajuda. Nações, impérios e sistemas podem se opor e oferecer obstrução; circunstâncias podem parecer limitá-lo, mas – em determinado tempo – vemos que Ele não desistiu, mas ainda prossegue. Ele estabeleceu um propósito e um objetivo, e este objetivo será alcançado. Deixe os judeus “sempre resistirem ao Espírito Santo”, como diz Estevão; tanto pior para eles. Esta é a tremenda conclusão do discurso de Estevão. Dentro desta inclusividade há outros aspectos. O propósito de Deus é um propósito celestial, vasto, spiritual e eterno. Nem o tabernáculo, com toda sua beleza interna e personificação dos pensamentos Divinos; nem o temple de Salomão, com toda sua magnificência e glória; nem o próprio Salomão com sua deslumbrante sabedoria e irresistível riqueza – diz Estevão – pode remotamente se comparar àquilo para o qual Deus está se movendo em relação ao Seu Filho. Isto não é feito “por meio de mãos humanas”. Não é da terra. Não é a Casa de Deus (Atos 7:48,49). O Espírito Santo — diz Estevão, em efeito — cada dia está se movendo cada vez mais em direção a este grandioso propósito. Estevão, em sua hora gloriosa, conheceu a força devastadora daquilo com a qual Paulo contendeu durante toda a sua vida, a saber, a incorrigível disposição do povo de Deus de trazer para baixo e fixar aqui aquilo que é essencialmente celestial; de cristalizar as coisas espirituais dentro de sistemas construídos pelo homem; de lançar mão daquilo que é de Deus e torná-lo algo humano, algo privativo, legal, que está sob o controle humano. Estevão representa e é testemunha desta “Visão Celestial” (esta tornou-se a frase de Paulo) a qual fez com que ele experimentasse o mais violento e vicioso ódio dos interesse religioso, que, por detrás, escondia toda a inveja de Satanás. Toque as tradições religiosas e a ordem estabelecida e você irá descobrir a mesma coisa que Estevão, uma inveja resultante da cegueira ao vasto propósito de Deus. De alguma maneira você irá ser apedrejado! Seja por ostracism, por exclusão, por portas fechadas, suspeita e má compreensão, tudo que é visto no caso de Paulo.

Será que já falemos o suficiente sobre Estevão, a fim de justificar e estabelecer a nossa afirmação de que ele foi – por assim dizer – Paulo em antecedência? Estevão em si mesmo é um exemplo do mover de Deus, apesar do inferno e dos homens, assim como Paulo também o foi em plenitude, quando os homens tiraram Estevão do caminho. Nós olhamos para trás, para a nossa afirmação inicial de que a maior evidência do específico ministério para o qual Paulo foi escolhido é a veemência do antagonismo satânico.

Tudo o que dissemos, e muito mais, irá, sem dúvida alguma, ser ainda abordado em nossa consideração sobre o minstério do próprio Paulo, porém, eu estou certo de que estamos começando a enxergar algo da sua significância.
Ainda à frente, em nossa comtemplação do coroado e consumado ministério do Apóstolo Paulo, há vários pontos de considerável valor que podem fazer com que um breve capítulo se faça necessário.

Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.