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As Vozes dos Profetas

por T. Austin-Sparks

Capítulo 4 – A Voz de Jeremias (continuação)

"Eles não conheceram ... as vozes dos profetas que eram lidos todos os sábados" (Atos 13:27).

Dois Reinos de Glória

"Assim diz o Senhor, não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força, nem se glorie o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor" (Jeremias 9: 23-24).

De todos os contrastes que deram ocasião ao ministério de Jeremias, é difícil dizer qual foi o mais significativo. Mas, quanto mais consideramos este com o qual temos que lidar agora, mais ficamos impressionados, tanto com a sua gama como com o seu significado final. Os profetas certamente falaram de algo que tinha um significado muito mais pleno do que aquele que eles conheciam, porém, o Espírito de Deus, que falava através deles, conhecia tudo, de trás para frente. Se falaram para a sua própria época e condições, pelo menos a nossa declaração base em Atos 13 declara que eles falaram para todas as gerações seguintes. Mas o discernimento e a visão espiritual irão enxergar muito além de seus enunciados. Isto é muito verdadeiro sobre a passagem agora considerada. Muito tem sido escrito sobre o lugar e a importância de Israel na história, e, sem dúvida, muito mais irá se desenrolar com o desdobramento da história mundial. Existem dois aspectos disso que precisamos destacar, a fim de compreendermos os profetas. Esses dois aspectos são dois aspectos de uma única coisa, o certo e o errado. Uma é

A Representação de Israel na História

Terá sido suficientemente reconhecido que Deus escolheu a nação Hebreia para ser uma representação na história de Seu pensamento eterno para a humanidade e para o mundo? É isso que está por trás dessa nação eleita. Isso explica os poderosos atos soberanos de Deus e as Suas maneiras de proteger essa nação. Isso explica suas infinitas dores e paciência para com essas pessoas. Isso explica a Sua graça e amor por uma nação que o provocou a um grau extremo. Na constituição e formação da vida dessa nação, Deus introduziu todas as características espirituais de seu Filho de maneira simbólica. Desde Abraão, com sua história e experiência, na redenção, separação, provisão, disciplina, ritual, leis, sacerdotes, sacrifícios, tabernáculo (em todas as suas partes), conquistas, herança, e muito mais, Deus sempre teve o seu Filho em vista.

Isso significa que tudo, em termos de princípio e de base, que foi destinado para a humanidade na economia total e definitiva de Deus, foi representado e era inerente a um Israel segundo a mente de Deus. Se Israel fracassou com Deus em sua própria vocação, esse fracasso não foi nada menos do que uma repetição do fracasso de Adão, e uma repetição de ambas as razões, a “queda” e as suas consequências.

Então, chegamos aos profetas, cujo negócio era expressar novamente os pensamentos de Deus para Israel e para o mundo; mostrar como esses pensamentos tinham sido violados; qual era a natureza da apostasia; e quais seriam as terríveis consequências. Eles foram movidos pelo amor ciumento de Deus por seu propósito eterno, e, vendo que o propósito não era simplesmente uma mera ideia abstrata, mas sim uma personificação e uma expressão, então, o amor e o ciúme de Deus se focaram num povo escolhido, a fim de que esse povo pudesse representar o propósito de Deus.

Por meio dessa visão mais ampla, somos capazes de enxergar quais são as implicações e qual é o significado da nossa atual Escritura, que é Jeremias 9:23-24. Aqui o Senhor coloca a Sua desaprovação e o Seu veto sobre um princípio que trabalha em três direções. Mas antes precisamos compreender que, quando Deus diz “não” em relação à “sabedoria”, “poder” e “riquezas”, Ele não está condenando essas coisas. Em outro lugar Ele abençoou todas essas três coisas, e jamais disse que, em si mesmas, elas eram erradas. Uma das estratégias de Satanás tem sido a de tornar as coisas boas em más, e as más em boas. Esse “não” triplo de Deus está se referindo à ‘glorificação’ dessas coisas; isto é, dar a elas a glória da vida. É a velha e original sutileza da serpente em operação novamente, a fim de roubar a glória de Deus; o antigo ciúme e inveja de Lúcifer. É a afirmação do egoísmo humano de querer conhecer, dominar, possuir, sem fazer referência ou deferência a Deus; é a independência do egoísmo. Preste atenção nessa última palavra, pois ela é a chave de tudo aquilo que é contra Deus.

Chegamos, pois, ao tríplice desenrolar do princípio.

1. O Culto ao Intelectualismo

Um ‘ismo’ é um culto. Significa que aquilo a ele referido se excedeu, indo além de si mesmo, de seu valor e propósito, e se tornou um objetivo em si mesmo; algo final; um propósito, uma paixão, uma dominação, um interesse absorvente. Assim que você acrescenta um ‘ismo’ a alguma coisa, você decide que aquilo seja algo que tenha um fim em si mesmo. E, mais cedo ou mais tarde, aquilo irá assumir a forma de uma religião, isto é, um objeto de adoração.
Quão verdadeiro isso é em relação ao intelectualismo! Tão logo um jovem se estabeleça no curso do intelectualismo, fazendo dele o seu principal negócio, aí começa a batalha da fé em Deus. Ele se torna intelectualmente superior à fé em Deus. 

É nesse ponto que devemos que indicar o final e consumado desenvolvimento daquela oferta primal pelo conhecimento de Deus, ignorado o u repudiado. É uma lei neste universo que uma simples semente tenha em si toda a potencialidade para encher o mundo, desde que não seja frustrada ou destruída. Uma semente de conhecimento independente e egoísta semeada no ‘jardim’ está agora em seu ponto de maturação, e uma terrível colheita é iminente. Por que é que aquele conhecimento – não necessariamente mau em si mesmo – tem alcançado uma dimensão que ameaça devastar toda a criação e toda a humanidade qualquer dia desses? Por que é que o homem que vai ao espaço e que exerce o domínio sobre forças nucleares demonstra ser totalmente incapaz de lidar com o grande declínio e a total quebra das leis morais? Por que é que na era mais avançada de todas, cientificamente falando, o barbarismo, a desumanidade, a crueldade, a luxúria e a destruição marcam a vida do mundo?

Hoje os líderes da pesquisa científica estão tendo que alertar o mundo sobre o indescritível holocausto que pode advir dessas pesquisas. Por que? Não está evidente a qualquer observador que existe mais impiedade hoje no mundo do que havia antes?

Deus está recebendo cada vez menos espaço público na política, na indústria, na sociedade de países antes conhecidos como ‘Cristãos’; e o secularismo, o ateísmo e as ideologias que negam a Deus dominam cada vez mais o mundo. O ponto é que tudo isso avança enquanto o culto ao intelectualismo e ao racionalismo se levanta paralelamente ao longo do declínio moral e religioso.

Se a lamentável situação de Israel por tantos séculos faz de si uma representação do reverso do propósito de Deus, não estará o mundo seguindo na direção desse mesmo descaminho? 

A Bíblia começa com o caos; vai ao cosmo; volta ao caos, e termina no cosmos – “um novo céu e uma nova terra"; mas o fim só será alcançado quando Deus ocupar o seu lugar de direito na mente dos homens. Houve um intelecto, há aproximadamente dois mil anos, que manteve os intelectuais em plena atividade, e ainda os mantém. Seria uma boa coisa dar uma consideração mais séria ao que disse certa pessoa a respeito da sabedoria deste mundo; quais são seus limites; o que ela é capaz de fazer; e qual é o veredicto de Deus sobre ela. Está na primeira Carta aos Coríntios, capítulo 1:18-2.

2. O Culto ao Poder

"Não se glorie o forte em sua força."

Tendo nós rastreado o culto ao intelectualismo, a desordenada busca por conhecimento, até o início do declínio do homem, não é difícil vermos que a busca por um poder independente de Deus também é uma parte da mesma peça. Adão está no registro como tendo projetado sua vontade, bem como a sua razão, na direção da auto-exaltação. Ele foi, como diz a Bíblia, ‘criado para ter domínio’, sim, porém, em sujeição a uma Cabeça (Cristo). Mas ele abandonou a sua Cabeça, violou a liderança divina, a fim de ser o seu próprio mestre, e perdeu o domínio pretendido por Deus. Mas ele se afirmou em sua auto-soberania independente, e o mundo é o que é hoje por causa disso.

O homem nunca perdeu o senso de que fora criado para ter domínio, mas, paralelamente a isso, corre uns sensação inata de que alguma coisa se perdeu, devido a um senso de inferioridade, ele é impulsionado a tentar recuperar o que fora perdido. Esse senso de perda está por trás de todas as suas lutas, guerras, e esforços em busca de superioridade. Algumas vezes defensivas, outras, ofensivas; por vezes o desespero e a frustração, frequentemente um faz de conta, um fingimento, um espetáculo, uma ostentação, um barulho. Este desejo por poder tem destruído a paz e a segurança que, e, como um fantasma, arrasta o homem cada vez mais para a frustração e derrota. Isso tem invadido a política, a indústria, a vida social, e as ambições nacionais e internacionais. Não tem poupado nem a religião, mostrando suas garras nas rivalidades, nas invejas, nas facções, e nos debates dentro do Cristianismo organizado. O tecido da vida é completamente atingido com a expansão da afirmação primaz, original e inicial do desejo pelo poder, o ego, o individualismo. Esse desejo deslocado por poder está trabalhando para a destruição universal, e 'guerras para acabar com guerras’ é uma falácia, uma desilusão, um escárnio. A única coisa da qual o homem sente necessidade é de achar um super-homem, pois ele se desespera do mundo sob seus fantoches. Certamente a história está evidenciando o engano fatal cometido em algum tempo, o qual aponta para a necessidade irrefutável de o homem ter uma Cabeça (Cristo). A busca por poder, como algo pertencente ao homem, foi, e ainda é, uma revolta contra Deus e sua divina autoridade; e o resultado é a anarquia.

O elemento de esperança em tudo isso é que um clímax está muito próximo, e que a Cabeça ungida por Deus, que é Cristo, o Herdeiro de todas as coisas, muito em breve virá, porque a taça da iniquidade já está quase cheia.

3. O Culto às Riquezascenter>

"Não se glorie o rico em suas riquezas."

Será que é necessário gastar tempo discutindo ou apontando para o fato de que possessividade, em matéria de bens, dinheiro, e         o ‘ter tudo’, tornou-se algo adorado pelo homem além de todos os limites? Não vamos estender esta discussão, mas apenas trazer esta “Voz dos profetas” ao lugar onde ela foi especificamente endereçada. O principal erro incluiu este aspecto. Ela pode ser resumida em três palavras:

"E vi." "Eu cobicei." "Eu peguei."

E foi para o povo do Senhor que o profeta falou em primeira instância.

O escritor dessas mensagens, por um longo período de anos, viajou por muitas partes do mundo com um objetivo, qual seja: o aumento e o fortalecimento da vida espiritual do povo de Deus. Diversas vezes ele ficou impressionado com o seguinte fato: onde prevalece o interesse e a absorção pelo negócio de ganhar dinheiro, aí há maior dificuldade de se falar a respeito das coisas do Espírito. Esta impressão tem sido confirmada pelo fato igualmente evidente de que, onde a vida é mais simples, ou até mais difícil, aí a disposição de coração para o conhecimento mais pleno do Senhor é mais forte e puro.

Esse outro ‘ismo’ tem fortemente invadido o Cristianismo, principalmente o ‘comercialismo’, que está minando e drenando a vida espiritual. Na verdade, é uma ameaça definitiva à espiritualidade. Não estamos criticando o peso de responsabilidade no mundo dos negócios, nem os grandes problemas e demandas dos cristãos no mundo dos negócios. Nós nos mantemos perto do alerta de Jeremias sobre o perigo de o comercialismo se tornar um laço em relação ao orgulho, à ambição, e ao ‘gloriar-se’ nas riquezas. Foi o Senhor quem mandou Jeremias alertar tão fortemente contra o laço comercial. Muito poderia ser dito sobre a sutileza da serpente, como ela se move com a sua fascinação e hipnotismo na direção de sua presa – a vida espiritual do povo de Deus. Como “a serpente enganou” possuir sem levar em consideração, ou fazer referência à comunhão com Deus, assim tem sido, e o mundo – e também a Igreja – estão muito ocupados hoje para que possam dar a devida atenção aos princípios e fundamentos espirituais. Muita obra iniciada e usada por Deus, devido ao seu caráter e pureza espiritual, mais tarde tem perdido o seu devido lugar no reino de Deus, por haver se tornado grande, com sua organização, negócio, envolvimentos e métodos comerciais. "Como o reluzente ouro pode ser tornar tão opaco!” Se esta foi uma pergunta, ao invés de uma exclamação, a resposta seria um sonoro “comercialismo”.

Com tanta coisa nesses três avisos que ficou sem ser dita, passamos para o “MAS” de Deus.
"Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor”.
No conhecimento do Senhor, volumes poderiam ser escritos, porém, não podemos fazer aqui mais do que observar a última implicação desta alternativa.

Se conhecimento, poder e riquezas são tão importantes e significam tanto neste mundo – e realmente significam, imensamente – o Senhor diz aqui que, incontestavelmente, será provado pela história que conhecer o Senhor, em Sua estimativa de valores (ver texto), irá superar em muito todas essas glórias transitórias. 

O Apóstolo Paulo disse “a ciência cessará”; e ele poderia ter dito o mesmo sobre o poder e as riquezas terrenas, mas o conhecimento do Senhor irá permanecer e superar todas as demais coisas.

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