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As Vozes dos Profetas

por T. Austin-Sparks

Capítulo 6 – A Voz de Jeremias (continuação)

"Eles não conheceram ... as vozes dos profetas que eram lidos todos os sábados." (Atos 13:27).

O Perigo do Interesse Próprio

"Procuras tu grandes coisas para ti mesmo? Não a procures" (Jeremias 45:5).

Quando o Apóstolo Paulo empregou as palavras do nosso título aos “Irmãos, filhos da geração de Abraão, tementes a Deus" em Antioquia da Psídia, como mostra o contexto, ele estava relacionando as “Vozes dos profetas” particularmente à atitude e ações de Israel em relação a Jesus de Nazaré: "Um Salvador, Jesus". Nesses capítulos temos, até agora, ampliado a aplicação da declaração, mas não de forma ilegítima. As vozes dos profetas falam de muitas necessidades e situações, porém, como será visto, o tempo todo mantemos em mente que existe uma discrepância entre ouvir as palavras e ouvir a “voz”. Jeremias tinha definitivamente dito algo parecido. “A quem falarei e testificarei, para que ouça? Eis que são incircuncisos de coração, e não podem ouvir..." (Jeremias 6:10).

O próprio Jesus disse algo nessa mesma direção. "Por que não entendeis a minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha palavra” (João 8:43). Essa lacuna entre o ouvir as palavras de ensino e o ouvir a voz que está inserida no ensino, como dissemos, pode explicar a falta de vida e de poder até mesmo onde há muito conhecimento da verdade. Também pode explicar as violentas contradições, como no caso de Israel.

Passemos para nossa próxima “Voz” – o perigo do interesse próprio. 

A história da associação de Baruque com o profeta Jeremias é muito emocionante. Baruque era mais jovem que Jeremias. Seu relacionamento com o profeta era mais do que uma associação: era amizade; não era uma ligação vazia, mas sua lealdade ao seu amigo mais velho custou-lhe quase tudo. Desde a primeira vez que Baruque surgiu em cena, parece que ele nunca saiu do lado do profeta. Quando Jeremias foi encerrado na prisão, Baruque foi um constante visitador e ajudador; e, quando Jerusalém foi finalmente conquistada, ele recusou a opção de ficar livre, preferindo permanecer ao lado de seu velho e desgastado amigo. Quando, por fim, Jeremias foi levado para o Egito, Baruque seguiu o seu rastro. Baruque, então, entra para a história e para os registros imortais como “um amigo mais chegado do que um irmão”. Oh, como precisamos de mais Baruques!

Esta amizade sobreviveu a uma das maiores provas na qual algum homem, especialmente um homem jovem, podia suportar. O primeiro Rolo foi escrito por ele, sob o ditado de Jeremias, e foi cortado em pedaços e destruído no fogo pelo rei. O segundo foi escrito com julgamentos adicionais. O capítulo 45 indica que Baruque tinha entrado em profundo desespero com aquilo que havia sido escrito; então, Jeremias (ou o Senhor) acrescentou desolações. Então segue essas palavras de exortação, diríamos, palavras desoladoras: "Procuras tu grandes coisas para ti mesmo? Não a procures" 

Se sentimos que isso é muito duro e cruel de se dizer a um homem jovem de tal fidelidade e devoção, nossa resposta virá ao longo da linha de um horizonte mais amplo. Precisamos olhar mais longe e ter uma visão mais ampla. Talvez possamos encontrar uma resposta mais satisfatória para a nossa pergunta se deixarmos Jeremias e Baruque por um instante e olharmos adiante, para outra situação que teve muitos aspectos semelhantes aos deles. Dos vales da Galileia e vizinhanças de Jerusalém, vozes queixosas podem ser ouvidas:

"Senhor, quem é o maior no reino dos céus?" ... "E eles disputavam entre si quem era o maior" ... "E, então, levantou-se uma contenda entre eles, sobre qual deles era o maior" ... "Senhor, conceda que um se sente a tua mão direita, e o outro à esquerda quando vieres no teu reino” ... "Jesus começou a mostrar a seus discípulos que ele precisava subir a Jerusalém e sofrer muitas coisas... e ser morto..." ... "E Pedro começou a reprová-lo, dizendo: Longe de ti tal coisa, Senhor: isso nunca lhe acontecerá" ... "Esta noite todos vocês ficarão ofendidos por minha causa" ... "E todos eles o abandonaram e fugiram" ... "Esperávamos que fosse ele quem devia redimir Israel" ... "Senhor, é este o tempo em que irás restaurar o reino de Israel?"

Quão apropriado teria sido para Jesus se tivesse usado as advertências de Jeremias em relação a todas as questões acima:
"Procuras tu grandes coisas? Não as procure."

Devemos lembrar que, como foi com Jeremias e Baruque, assim também foi com Jesus, nuvens escuras estavam no horizonte. Muitas coisas tinham sido ditas por ambos, as quais apontavam para dias perturbadores e ameaçadores. A grande prova de fogo foi profetizada. Para os discípulos seria a Cruz. Para Israel, a prova devastadora e desoladora de 70 A.D. tinha sido definitivamente anunciada por Jesus. Diante dessas duas tragédias pendentes, não era hora de buscar grandes coisas para si mesmo. Mas, lá, nas últimas duas palavras, temos a pista: "Para ti mesmo."

Nos soberanos e justos conselhos de Deus, tanto Jeremias como Baruque foram vindicados. Baruque tem coisas maiores do que aquelas que ele poderia ter tido no reino perecível deste mundo. E nós temos apenas que ler a primeira carta de Pedro para saber se ele achava que a perda de todas as “grandes coisas” terrenas e temporais, em troca da ‘preciosidade de Cristo’, foi um mau negócio. Tudo depende do objeto da ambição: “ti mesmo" ou “o Senhor”. Quando o Senhor se tornou o objetivo e o fim de toda a busca desses homens, eles, então, entraram nas maiores coisas de todas! "Grandes coisas"? Sim, milhares de vezes, sim! Não para nós mesmos, mas para Ele.

Israel perdeu tudo ao se prender a si mesmo, negando a Jesus os Seus direitos. Esse auto-interesse foi desolador. Pedro, Paulo, e milhares de outros, ganharam as coisas transcendentes da eternidade e da glória por causa dessa mudança de objetivo. "Não mais eu”, "a Ele seja a gloria para todo sempre".

"Assim como a serpente enganou Eva ..." (2 Coríntios 11:3). A chave para todo o engano é o individualismo. É tão sutil quanto a serpente, e invade as coisas mais sagradas. Escondido debaixo da nossa mais convencida sinceridade e devoção a Deus (como cremos, e como Pedro cria) pode estar aquele elemento de desejo por lugar, poder, auto-realização. Somente um devastador abalo pode revelar esse resquício da “queda” original. Aqui, então, está o imperativo de uma real e profunda obra da Cruz na raiz da vida própria.

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