Austin-Sparks.net

O Valor da Fraqueza

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado pela "Witness and Testimony Publishers" em 1935 como livreto. Origem: "The Value of Weakness". (Traduzido por Maria P. Ewald)

2Cr 26:15; 1Co 1:27; 2Co 12:9; Ef 6:10, 3:16; Cl 1:11

Ao lermos as passagens referidas acima, podemos perceber a grande importância e valor da fraqueza e dependência. Pode parecer até uma contradição ler: “Deus escolheu as coisas fracas...” [1Co 1:27] e então em outro texto ler: “Sede fortalecidos... na força do seu poder” [Ef 6:10]. É sempre possível colocar diversos textos das Escrituras lado a lado e fazê-los parecerem contraditórios, mas as Escrituras nunca realmente se contradizem. Isso deve ser deixado bem claro de uma vez por todas. O sentido das aparentes contradições deve ser analisado com mais profundidade, e quando o real significado for encontrado, as Escrituras aparentemente contraditórias estarão em perfeito acordo.

Esses textos fazem parte desses aparentes paradoxos, e isso se tornaria ainda mais agudo, se esses os textos fossem colocados de outra forma. Se fosse dizer: fraqueza e força são coisas certas, e ambas devem coexistir, poderíamos ver quão agudo esse aparente paradoxo se tornaria. Fraqueza e força, não obstante, estão ambas de acordo com a mente de Deus e devem estar presentes no mesmo indivíduo, exatamente ao mesmo tempo. Fraco, tão fraco ao ponto de não pode fazer nada! Forte, fortalecido com um poder tão maravilhoso que torna possível que as coisas sejam realizadas. Uma consciência e experiência simultâneas. Uma realidade simultânea, e nenhuma contradição. Podemos perguntar: como pode ser assim? Isto é simplesmente confuso! Então precisa ser deixado mais claro.

Temos dito algumas coisas sobre fraqueza, sobre sua necessidade e a importância da dependência e da consciência de nossa impotência. Imediatamente são lançadas sobre nós textos das Escrituras sobre a necessidade de sermos forte, com o intento de desfazer o argumento, de destruir e minar nossa afirmação, como se as duas coisas não pudessem coexistir juntas em harmonia. As pessoas têm uma maneira estranha de se tornar mentalmente aprisionadas às Escrituras nessas aparentes contradições. Por isso, se torna necessário e de grande ajuda para nós compreender o sentido dessas aparentes contradições: de como essas duas coisas devem coexistir no mesmo objeto ao mesmo tempo, conforme demandado pelo Senhor.

Deus Esvazia para Encher

A necessidade de fraqueza é perfeitamente clara. Através das Escrituras, no Antigo Testamento e no Novo, está perfeitamente claro que Deus começa destruindo os homens e levando-os até um ponto de fraqueza e de vazio. Ele realmente esvazia Seus vasos antes de enchê-los, e quebra antes de edificar. O Senhor extrai a força antes que Ele aperfeiçoe a Sua força no mesmo objeto. Não há dúvida disto na leitura da Palavra de Deus e no estudo da história de qualquer instrumento que serviu ao propósito do Senhor de maneira vital. A necessidade de fraqueza e de uma dependência consciente é muito real quando entramos na esfera de valores Divinos e isso é de grande importância para nós e para o Senhor.

A Razão do Enfraquecimento

Onde, então, essa necessidade tem início? De onde ela surgiu? Ela tem sua origem a partir do desejo da nossa natureza pelo poder e força. Universalmente o homem, por natureza, deseja força, e diremos não gosta (uma forma leve de dizer) da fraqueza, se revoltando contra ela, desejando o poder. Esse desejo está em nós por natureza. Seria difícil encontrar uma pessoa, por mais insignificante que ela possa parecer entre homens e mulheres, que, naturalmente, se deleite em estar em desvantagem, e tenha prazer em ser aviltado e no fato de ser incapaz de se posicionar diante dos outros, se sentindo seguro e possuindo uma certa medida de dignidade.

Não, isso não é parte da natureza humana, e muitas vezes até mesmo uma humildade simulada é apenas uma maneira sutil de tentar chamar a atenção para si, ganhando, dessa forma, certa vantagem. Ouvimos pessoas dizerem jactanciosamente que eram as pessoas mais humildes do mundo, e isso foi apenas uma manifestação do ego na forma de orgulho, sob o pretexto de uma falsa humildade.

Nós nunca seremos capazes de rastrear todas as formas de vida do nosso ego. Ele, de uma forma ou de outra, se manifesta buscando ser forte, visando o poder, influência, a sua sustentação e permanência de cabeça erguida. Essa é a natureza humana.

Uma Coisa Certa Feita da Forma Errada

Esse é o ponto: que na natureza humana hoje denominada por humanidade caída, toda essa questão de poder foi subvertida, tornando-se em algo pessoal, e consequentemente, em uma coisa maligna. Deus nunca desejou que o homem fosse um verme indigno, rastejando sobre a terra, mas desejava que ele fosse nobre, magnífico, a maior obra de Suas mãos, dotado de grande dignidade, possuidor de maravilhoso poder, força e influência. Mas Deus planejou tudo isso para Sua satisfação, Sua glória, Sua honra, para Si mesmo.

Tudo isso se subverteu, tomando a forma de interesses pessoais, e isto pode ser claramente visto na natureza humana como nós encontramos agora. Somente quando o princípio do ego for quebrado, poderemos aceitar de bom grado uma posição de ser nada por causa do Senhor.

A Busca de Satanás pelo Poder

Aqui reside o segredo da nossa necessidade de fraqueza. O homem, em sua natureza, tem em si uma força subvertida ou busca por força. Ali reside o supremo objetivo Satânico. O único objetivo dominante de Satanás é poder, força, domínio, e ele plantou essa ideia e sugestão dentro do homem, de ser igual a Deus. Isso equivale a dizer que o homem deveria ter poder em si mesmo independente de Deus.

Dessa forma, o homem e Satanás entraram nessa terrível fraternidade na busca pelo poder com objetivos pessoais, e nossa natureza tem isso como um objetivo, tenhamos consciência disso ou não. Até os mais santos descobrem essa tendência em sua natureza, pois quando Deus os abençoa maravilhosamente, surge um inimigo na velha natureza que tomaria posse da própria bênção de Deus, usando-a para sua própria glória. “Porque foi maravilhosamente ajudado, até que se tornou forte" (2Cr 26:15). Uzias se apossou das bênçãos maravilhosas de Deus como um meio de poder, colocando a si mesmo em evidência, chegando até mesmo em territórios a ele proibidos. Esse inimigo maligno está no nosso interior, se manifestando de tempos em tempos até mesmo nos santos maravilhosamente ajudados e abençoados por Deus, tornando-se em sua ruína. É o velho inimigo novamente. Esse é o objetivo supremo de Satanás, implantado na própria constituição do homem caído e manifestando-se sempre naquele terreno do poder pessoal, da força sendo usada visando interesses pessoais.

Isso é tão profundo, sutil e secreto, que nunca conseguiremos chegar à sua raiz. Nunca nos livraremos disso. Nós nunca seremos capazes tomar esta questão, analisa-la e compreendê-la totalmente. É tudo muito profundo e sutil para nós. As formas em que o desejo pela força se manifesta são tão profundamente sutis, que pode ser visto como bom e justo, ou pode passar completamente desapercebido. Mas essa é a causa oculta da ofensa, destruição, ruína, e limitação do povo do Senhor, mesmo que não estejamos conscientes disso. Que tremendo antagonismo contra os interesses do Senhor é encontrado em nossa natureza nessa linha do desejo por força, seja qual tipo ela for.

A Cruz e a Natureza Humana

Aqui reside a necessidade, então da fraqueza, da fragilização, do quebrantamento e do esvaziamento. Apenas alguém que tem plena compreensão da profundidade e amplitude dessa questão pode lidar com ela, e isso é algo que nós não possuímos. O Senhor conhece toda essa extensão e as dimensões absolutas disso na humanidade, e foi Ele mesmo que foi para a Cruz para levar a humanidade caída à morte. A cruz do Senhor Jesus é algo muito maior do que podemos perscrutar, mais do que podemos imaginar. As profundezas de nossa natureza foram vistas como nós nunca vimos antes, e foram tratadas por meio da Cruz.

Todas as forças sutis que tanto nos enganam, fazendo-nos pensar que são positivas - Deus viu a verdadeira natureza delas, levando tudo isso que não compreendemos para a Cruz, lidando com tudo: raiz e ramos, do centro para a circunferência.

Mas sabemos que isso tem uma aplicação prática, e é aí que existe a demanda pela fraqueza. Até mesmo um poderoso apóstolo, sob um céu aberto e ouvindo a voz do Filho de Deus glorificado, um vaso escolhido antes da fundação do mundo, considerando tudo o que ele representou da soberania e graça, precisou, necessariamente, ter um espinho plantado na sua carne para que não se exaltasse. Essa é uma indicação do conceito Divino do dano que pode causado por essa busca pelo poder encontrada secretamente dentro da velha criação. Esse anseio por poder se revela, independente da nossa consagração, apesar da nossa entrega, mesmo quando estamos dispostos a morrer pelos Seus interesses.

Não encontraremos um homem mais absoluto para Deus do que o apóstolo Paulo, um homem que demonstrou que morreria pelos interesses do Senhor, e ainda assim, vemos Deus reconhecendo nele esse perigo do velho homem. Foi uma grande surpresa para Paulo quando o Senhor deixou clara a causa de ter colocado um espinho em sua carne. Aquilo é tão sutil, tão secreto, e opera independente de tudo o que desejamos ser para Deus. Essa força opera nas trevas, onde não podemos reconhecê-la.

Portanto, há uma tremenda necessidade para Deus de tornar a cruz algo continuamente real para aniquilar isso, quebrando, esvaziando e nos trazendo a uma condição de fraqueza e dependência conscientes. Tudo isso acontece devido ao enorme valor que essa condição tem para o Senhor, e pelo enorme prejuízo para os Seus interesses causado por essa tendência, esse traço de nosso caráter.

A Verdadeira Natureza e Terreno da Força

Devemos falar algo sobre o outro aspecto dessa verdade. Da mesma maneira que é verdade que existe a necessidade da fraqueza, também existe simultânea demanda pela força. Temos a enfática declaração: "Seja forte...", mas qual seria a natureza dessa força? Qual seria o seu fundamento? "Seja forte no Senhor e na força do seu poder” (Ef 6:10). Essa força nunca estará em nós, como algo originado em nós mesmos. Nunca será parte de nós. Essa força será sempre mantida e preservada no Senhor, de sorte que nossa relação com Ele seja sempre baseada na dependência da fé. Nunca seremos capazes de ir adiante na força do Senhor como se ela fosse nossa, usando-a. "Seja forte no Senhor...".

A Escolha do Homem de Deus

Este é o ponto: existe um Homem em quem todo o poder de Deus pode habitar sem qualquer perigo. Há um Homem em quem o poder de Deus pode habitar em plenitude, sem riscos. Este Homem está no céu, não aqui. O poder de Deus não pode habitar em nós sem corrermos perigo. "Porque ele foi maravilhosamente ajudado, até se tornar forte".

Que pena que a palavra "até" precisou surgir. Ela indica terríveis possibilidades. A questão, no caso de Uzias, foi que o Senhor o feriu, provocando uma mudança terrível na sua história. Isso mostra que não é seguro para nós tomar posse para nós mesmos da força de Deus, Ele estabeleceu a sua Cruz ali, onde isso nunca pode acontecer. Ele não permitirá isso. Se tentarmos, seremos quebrantados, por estarmos nos levantando contra a grande proibição da Cruz. Mas Deus encontrou um Homem. Sim, sei que Ele é mais do que um Homem, Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus. Esse é um lado da história. Não vamos confundir esses dois lados. Mas existe um outro lado. Ele é o Filho do Homem, e é um Homem em quem o poder de Deus pode habitar em plenitude, sem qualquer perigo.

Este Homem nunca vai usar esse poder para seus próprios interesses à parte do Pai. Não veremos nenhuma atividade carnal de busca pelo poder da parte do Senhor Jesus. Nele, não presenciaremos aquela obra sutil do ego, que inconscientemente, usa o poder e bênção Divinos para si mesmo. Essa não é a Sua natureza. É a nossa. Até mesmo o homem mais santo nesta terra tem isso dentro de si. Ele pode se sentir, mesmo que de forma inconsciente, gratificado pelo fato das pessoas o consideram bom, ou pelas suas experiências. Sim, é dessa forma que isso acontece. Mas existe Uma Pessoa que pode ter todo o poder Divino, e ainda assim não haverá nEle o menor vestígio de qualquer coisa que possa converter esse poder para interesses pessoais, portanto, esse poder pode habitar nEle plenamente.

Duas coisas são claras: podemos ler, se quisermos, o que irá vai estabelecer em nós o que Deus realizou. Voltemos para Atos 17:31: “porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos”. Quem é esse homem? Vamos ler 2 Timóteo 4:8 – “Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia”. Vamos então ler Romanos 2:16: “no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho”.

O Homem que Ele destinou para o julgamento do mundo em justiça é o Senhor, Ele será o justo Juiz naquele dia. Quem é o Senhor, o justo Juiz? Jesus Cristo, o Homem a quem Deus ordenou! Se desejarmos mais provas disso, vamos ler todo o quinto capítulo do Evangelho de João. “E lhe deu autoridade para julgar, porque é Filho do Homem” (Jo 5:27). Existe um Homem em quem todo o poder repousa sem qualquer perigo.

Esses são os dois pontos. Devemos ser fortes na força que há em Cristo Jesus. Ele é a nossa força. Nós nunca teremos essa força em nós mesmos, e essa nunca será a nossa força intrinsecamente, em nenhum nível, essa força é dEle. Por isso a fraqueza e dependência contínuas são necessárias, no que nos diz respeito. Na medida em que diz respeito ao Senhor, Ele é a nossa força. O que será que Paulo queria dizer quando falou: “Quando sou fraco, então é que sou forte”? [1Co 12:10]. Essa é certamente uma contradição. Em outras palavras, Paulo disse que quando estava fraco, o Senhor tinha a oportunidade de demonstrar a Sua força nele! Esse é o tipo de força que almejamos, é a força do Senhor que só pode ser aperfeiçoada em nós quando estamos fracos. Se formos fortes, o Senhor recua, nos permitindo seguir em frente, tomando a nossa própria força, até que em breve encaramos um doloroso fim. “Quando sou fraco, então é que sou forte”. Tudo será reconciliado quando chegarmos nesse ponto. Fraco e forte ao mesmo tempo? Sim, mas nunca fortes em nós mesmos, apenas fortes no Senhor.

Ainda existe outra coisa. Há uma conformidade com o Filho de Deus, descortinando todo o processo e progresso por meio da fé, dependência, fraqueza, para chegamos lentamente - muito lentamente - ao ponto onde o Senhor pode contar conosco, quando Ele sabe que não iremos tomar a Sua bênção e força quando Ele nos usar, revertendo-as para nosso próprio benefício. Ele sabe quando estamos nos tornando confiáveis, com a confiabilidade de Seu Filho, conformados à Sua imagem.

E assim, o poder pode ser mais abundantemente dispensado sobre nós. Isso é destinado àqueles que se tornam mais conscientes de sua própria fraqueza, exercitando maior fé no Senhor como suas forças, abrindo um caminho para que o Senhor aumente essa medida da Sua força manifestada neles. O obstáculo para a força do Senhor em nós é, frequentemente, a nossa própria força. O caminho para a Sua força é a nossa fraqueza. Dessa forma, o apóstolo disse que se gloriaria em suas fraquezas, para sobre ele repousasse o poder de Cristo.

Que o Senhor nos conduza à realidade deste glorioso paradoxo.


Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.