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A Administração Do Mistério - Volume 1

por T. Austin-Sparks

Capítulo 11 – O Homem Celestial e a Palavra de Deus (continuação)

Ler: João 1:14, 14:10; Col. 3:16,17; Apo. 19:13.

Durante as meditações anteriores, observamos a relação do Espírito Santo com a Palavra de Deus e com o Homem Celestial, e, antes de passarmos para outras considerações, podemos resumir a referida relação em três ou quatro partes específicas.

O Espírito Relacionado à Palavra de Deus e ao Homem Celestial

(a) No Nascimento. Observamos, então, que o Espírito Santo está relacionado à Palavra de Deus no nascimento do Homem Celestial. A Palavra foi apresentada a Maria, e criou um problema para ela. No terreno humano, houve perplexidade quanto à forma como tal palavra poderia se realizar; como poderia ela alcançar aquilo; como esta maravilhosa apresentação e este descortinar de possibilidade, de significado, de propósito, de intenção e de pensamento Divino poderia se tornar realidade. Este foi o problema de Maria. O anjo respondeu a pergunta dela e removeu sua perplexidade com apenas uma declaração: “...o Espírito Santo virá sobre ti...” (Lucas 1:35). Assim, vemos que, em relação à Palavra de Deus, lá estava o Espírito, no nascimento do Senhor.

O Espírito Santo não concretizou a Palavra em Maria enquanto ela não se comprometeu com a Palavra. Isto é sempre uma lei. Porém, quando Maria deliberadamente recebeu a Palavra, então o Espírito Santo se encarregou de realizar todo o significado, implicação, conteúdo e propósito da Palavra.

(b) No Conflito. Da mesma forma o Espírito estava associado à Palavra em relação ao conflito. Quando o Espírito veio sobre o Senhor Jesus, como Homem Celestial, no Jordão, o Senhor foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo. Sendo conduzido pelo Espírito, governado pelo Espírito e movido pelo Espírito, a Palavra de Deus foi, então, pelo Espírito, o instrumento para a derrota do inimigo, e também para o avanço final, ao invés da imobilização do Homem Celestial. Você observa que existe a marca da expansão, porque, quando o Diabo deixou o Senhor, está escrito “...Jesus voltou no poder do Espírito...” (Lucas 4:14). Há a marca de ampliação, o sinal de aumento através daquilo que aconteceu. O Espírito estava associado à Palavra no conflito, para a vitória, para a expansão.

(c) No Ministério. O mesmo foi verdade em relação ao ministério do Senhor Jesus: “...As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai que permanece em mim é quem faz as Sua obras” (João 14:10). As palavras são fruto de uma atividade permanente do Pai, através do Espírito.
Estamos falando somente de Cristo como Homem Celestial agora, não de Cristo em Sua Deidade, como Deus, como Filho de Deus, no sentido mais elevado. Em Seu ministério, pela Unção, através da habitação do Espírito do Pai, há atividades se desenrolando nele que resultam em palavras dele procedentes. Mas elas não procedem dele como de alguém que está separado do Pai, como estando Ele fora de um relacionamento com o Espírito; elas são fruto de atividades e energias do Espírito do Pai que nele habita. É o Espírito produzindo as palavras através das operações do Filho. É por isso que elas são sempre práticas, isto é, possuem efeito prático. Iremos voltar a isso mais adiante.

(d) Na Vida. O que foi verdade em Seu ministério falado, e nas outras formas, também foi verdade em Sua vida. Sua vida foi um contínuo e espontâneo cumprimento das escrituras, não devido a uma constante referência a elas, mas através da habitação do Espírito, o qual tinha a posse das escrituras, tendo sido Ele mesmo quem as houvera dado e inspirado. São palavras eternas, e o Espírito em Cristo se movia de tal modo que as escrituras eram cumpridas o tempo todo. Em muitas ocasiões a afirmação é feita para indicar este fato: “...para que se cumprissem as escrituras...” Assim, Jesus era estimulado e movido em Sua vida, e em todos os incidentes, pelo Espírito, em relação à Palavra. O Homem Celestial é governado pela Palavra de Deus através do Espírito Eterno. Isto é verdade sobre Ele, como pessoa.

Mas, agora, também é verdade corporativamente. O Homem Celestial Corporativo é fruto do mesmo processo. A igreja, Seu Corpo, em cada uma de suas partes, é trazida à existência pela Palavra, primeiramente apresentada, e, então, contemplada, considerada, respondida, e o Espírito Santo assumindo a Palavra e a tornando algo vivo. O resultado é a igreja, o Corpo de Cristo, o Homem Celestial Corporativo.

É desta maneira que a igreja vem à existência, e, contemplar qualquer coisa chamada de igreja que não proceda da operação do Espírito Santo através da Palavra, é contemplar algo que não existe na mente de Deus. Coloque a Palavra de Deus de lado e você não terá a igreja. O que você vai ter é algo completamente falso. Coloque de lado o Espírito Santo, em relação à Palavra de Deus, e você irá destruir aquilo que está tentando edificar.

Isto é enxergar a igreja de forma muito genérica, mas, para nós, ela se torna um assunto imediato, de modo que o nosso próprio ser, como parte de Cristo, também surge exatamente seguindo o mesmo princípio que operou na encarnação do Senhor, com a cooperação da Palavra e do Espírito.

Uma Reiteração do Propósito Divino — O Princípio da Encarnação

Vamos analisar isto, retrocedendo um pouco no pensamento. Deus exige um Homem para a expressão de Seus pensamentos. Colocando isto de outra forma, Deus jamais desejou apenas proferir palavras, declarações; fazer a Si próprio conhecido e dar expressão a Si mesmo por meio apenas de expressões verbais. Há muito mais ligado a isto do que parece no momento, mas este é o fato simples, que Deus jamais pretendeu fazer-se conhecido apenas através de declarações, de palavras, de expressões verbais. É por isso que é muitíssimo perigoso ficar ocupado com ensino apenas como ensino, aceitar ensino apenas como ensino, aceitar coisas faladas, e achar que só porque temos algo sendo dito a nós, que já possuímos a coisa em si. Nós não a temos! Muitas pessoas têm todas as coisas que foram ditas a elas, mas não possuem a coisa em si. Existe tal posição a qual podemos chegar, em que aprendemos, porém sem nunca termos chegado ao conhecimento da verdade. Esta é uma posição muito perigosa. Sim, por vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos podemos ter ouvido tudo o que existe, podemos conhecer tudo, contudo nunca chegamos ao conhecimento da verdade. Isto soa como uma contradição, mas isto é possível, senão a Palavra de Deus não diria. Qual é o problema? Onde está a falha? Isto é o que estamos tentando ver agora.

Agora, como dissemos, Deus jamais pretendeu tentar fazer-se conhecido, dar expressão a Si mesmo, apenas por meio de palavras, de declarações, de meros pronunciamentos, ou seja, por meio de coisas faladas. Para a expressão de Seus pensamentos, Deus exige um tipo de Homem. Por isso a Palavra se torna carne; pois o homem que Deus deseja deve ser o produto de Sua Palavra de uma forma interior; isto é, a vida deve estar relacionada à verdade, e a verdade deve estar relacionada à vida.

Novamente, existe o terrível perigo de falarmos algo sem que a Palavra de Deus tenha sido trabalhada em nosso interior. Há um fascínio pelas grandes verdades, e, ligado a isto, há um perigo, especialmente se você estiver naquilo que as pessoas chamam de “ministério”. Perigo este de você se apoderar de verdades, de doutrinas, de temas, de matérias, de coisas na Palavra de Deus, discorrendo sobre elas o tempo todo. Você vai e ouve algo novo, uma idéia nova, e sai, a fim de repassá-la adiante. Na realidade, agindo assim você está apenas coletando material para o seu ministério, e há grande perigo em se fazer isto. Isto irá colocar você e os seus ouvintes numa falsa posição. Como já dissemos, irá tornar a coisa instável. Você constrói um ensino sobre algo que não é vida, que não é crescimento. Trata-se apenas de dar ensino às pessoas, porém, logo a coisa toda irá desmoronar, o edifício irá ruir, e você irá se perguntar “qual é o problema?”. É apenas a vida que conta. Você precisa colocar um fundamento, mas antes precisa haver uma escavação, uma elevação, uma ruptura, um trabalho interior, antes que você possa acrescentar um ensino. É por isto que a doutrina seguia a obra da graça no coração das pessoas no Novo Testamento. A palavra da graça tinha começado, e, então, o Senhor explicava pela doutrina aquilo que Ele tinha feito. Geralmente é assim conosco. O Senhor nos leva através de algo que não conseguimos compreender, e que, enquanto estamos passando por aquilo, é uma experiência profunda, escura e terrível, mas depois Ele explica tudo para nós em Sua Palavra, e somos trazidos ao pleno conhecimento daquilo pelo qual estávamos passando. É melhor que seja desta maneira.

O recebimento da Palavra de Deus por parte dos profetas do Velho Testamento é descrito pelo verbo hebraico hayah, que significa “aconteceu.” Assim, a interpretação literal do hebraico é: A palavra do Senhor aconteceu assim e assim. Em nossa tradução isto é expresso pela palavra “veio”: Veio a Palavra do Senhor assim e assim. Trata-se de um evento, e não apenas uma expressão verbal. É assim que ela deve ser através de nós para as pessoas. É por isto que o Senhor disse: “As palavras que vos digo são espírito e vida…” (João 6:63). Há um evento com Suas palavras, nem sempre na consciência imediata daqueles a quem elas foram ditas, mas, como já salientamos, algo é realizado, e irá vir à luz algum dia. Disto depende tudo no destino. Deus fala, e algo é afetado, de uma forma ou outra. Assim, a Palavra de Deus não é meramente uma fala, um discurso, mas é um evento.

O valor pleno é dado à Palavra de Deus quando ela é incorporada num corpo. Isto está, naturalmente, patente no caso do próprio Senhor Jesus. O valor pleno das escrituras foi alcançado quando elas foram incorporadas pessoalmente nele, quando pôde ser dito: “E a Palavra se fez carne e tabernaculizou-se entre nós... cheio de graça e de verdade” (João 1:14).

A Palavra de Deus e uma Assembléia Viva

Do lado corporativo, há algo a ser reconhecido que talvez possa causar dificuldade no momento, mas que, no entanto, é verdade, e que deve ser levado em conta, que deve ser lembrado, para que a Palavra do Senhor tenha um valor e poder especial, de forma viva. Se você não tem visto isto mentalmente, nem reconhecido isto como verdade, possivelmente você o terá conhecido como experiência, como um fato. Numa assembléia viva do povo do Senhor, com a Palavra do Senhor no meio dela, que poder e valor tal Palavra não possui! Porém, quão inútil é tentar pregar a Palavra no meio de uma assembléia morta, seca. Pode até ser Palavra do Senhor, e, no tocante ao pregador, ele pode até estar no poder do Espírito Santo, porém, quão inútil é. Quando você tem uma assembléia realmente viva para o Senhor, um corpo que pulsa com vida, que valor, que poder, que fruto há na Palavra! Isto foi verdade no caso do Senhor Jesus. Aí você tem uma Pessoa viva, que possui a Palavra de Deus dentro dela, e você vê como a Palavra era espírito e vida em Jesus. A Palavra tinha um valor especial nele, porque nele estava a vida.
Este é um princípio verdadeiro em relação ao Homem Celestial, corporativamente estabelecido. Você tem aí um corpo vivo, com a vida e a Palavra do Senhor no meio dele, fluindo, tendo curso livre, e sendo glorificado. Na parte mais externa desta companhia pode estar o não salvo, e outras pessoas que não estão vivas para o Espírito, mas o fato de o Senhor possuir um núcleo de pessoas vivas fornece à Palavra algo de valor, algo que torna a Palavra muito mais poderosa, muito mais eficaz, do que onde isto não é uma realidade. Isto é algo que aquelas pessoas que ministram no Espírito conhecem bem na prática. Se a Palavra é ministrada numa companhia relativamente grande, porém não muito avançada, que ainda não tenha aprendido a linguagem do Espírito, e algo que esteja um pouco além do elementar é falado, as pessoas olham para você quase que de boca aberta, e pensam que você está falando uma língua estranha. Porém, quando a Palavra é lançada e há duas ou três pessoas que estejam vivas para ela, então a Palavra é tomada com poder, e aquelas pessoas, embora talvez não entendam a terminologia, tornam-se vivas para algo. Algumas pessoas quando estavam pregando podem ter percorrido seus olhares pela congregação, a fim de encontrar um espírito cooperador, para que a Palavra fosse liberada. Se houver um núcleo no meio de um campo de morte, a Palavra de Deus tem um valor especial, em virtude desta unidade ativada pelo Espírito Santo. É aí que temos que ver a importância de estarmos vivos para o Senhor para o ministério.

Temos visto o quarto capítulo de efésios, onde lemos acerca do Homem Celestial dando dons; apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, para o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério. Os santos devem ministrar. Agora, aqui está a forma pela qual os santos ministram. Nem todos os santos sobem à plataforma e entregam a mensagem, mas todos ministram maravilhosamente quando cooperam com o ministério, e realmente o ministério do apóstolo, ou do profeta, ou do evangelista, ou do pastor, ou do mestre, é realizado através de um corpo vivo. É uma pobre perspectiva para aquele que está ministrando, se não houver uma companhia para realizar um ministério como este, por meio de uma cooperação espiritual. Desta maneira o Senhor consegue passar uma revelação de Si mesmo. Quanto ainda mais o Senhor pode revelar de Si mesmo se tiver uma companhia viva.

O Senhor parecia estar severamente limitado quando estava aqui, de modo que não podia sempre dizer o que queria dizer: “Ainda tenho muitas coisas para vos falar, mas vós ainda não podeis suportar”. (João 16:12). Também não podia fazer tudo o que queria fazer: “E Ele não fez muitas obras por causa da incredulidade deles” (Mat. 13:58). Porém, havendo uma companhia viva, não há limite para as possibilidades. Nela o Senhor pode revelar e expressar a Si mesmo. O Senhor precisa de um Homem, um Homem Celestial, pois, a revelação de Si mesmo, a expressão de Seus pensamentos e o valor pleno só podem ser dados à Palavra quando ela estiver incorporada num corpo.

Cristo e a Palavra São Um

Agora nos aproximamos ainda mais. A coisa que precisa ser dita imediatamente é que, pelo Espírito Santo, a Palavra é Cristo. A Palavra não é uma declaração de coisas, mas é a expressão de uma Pessoa. O que queremos dizer é que a nossa atitude em relação à Palavra deve ser a mesma que tomamos em relação a Cristo. Temos que aceitar a Palavra do Senhor da mesma forma como aceitamos o próprio Senhor. A Palavra do Senhor não é algo do Senhor apresentada a nós apenas em palavras, mas é o próprio Senhor vindo a nós. Não podemos rejeitar uma parte de Sua Palavra e, ainda assim, continuarmos com Ele. Não podemos fazer divisão entre o Senhor e Sua Palavra. As pessoas parecem pensar que podem tomar algumas das coisas que o Senhor disse e rejeitar outras. A Palavra é uma só. A Palavra é o Senhor. Rejeitar a Palavra em qualquer parte é recusar o Senhor; é limitá-lo; é dizer, em efeito: Senhor, eu não te quero! Senhor, eu não irei tê-lo! Não se trata de não querermos ter a Palavra, mas de não querermos ter o próprio Senhor, pois os dois são um: “Seu nome é chamado de a Palavra de Deus”. “A Palavra se fez carne...” Você não pode entrar no meio deles, pois os dois são um. Ele é a Palavra de Deus. Deus não vem a nós através de declarações; Ele vem a nós através de uma Pessoa, e o desafio é o de tomar uma atitude, não em relação a coisas faladas, mas em relação ao próprio Senhor.

A Necessidade de Exercitar o Coração

A questão que surge em nossos corações, quando ouvimos muitas coisas, é a seguinte: como é que isto se torna nossa vida? Como é que isto se torna parte de nós? Como é que nos tornamos uma expressão viva disto? Esta é a questão que pode surgir. Lembremos a nós mesmos, e aqueles por quem temos responsabilidade no ministério, que é possível estarmos sempre aprendendo sem, contudo, jamais chegarmos ao conhecimento da verdade. Podemos participar de conferências, de reuniões e assimilarmos mentalmente tudo o que é falado, e sairmos dali com tudo aquilo em nossas cabeças, ou em nossos cadernos de anotações, e, então, voltarmos para mais uma reunião, a fim de obter mais informação, e mais outra conferência, e ainda outra. Olhamos para os anos de conferências que se passaram e começamos a avaliar, e a perguntar a nós mesmos: Qual é o resultado de tudo isto? Eu me lembro de tal e tal ocasião, de tal e tal assunto que foi falado, e de outras coisas em outras ocasiões; estas coisas foram tema de várias conferências; e agora, o que tudo isto representa? Esta é uma questão muito solene. Será que significa que conhecemos estas coisas? Isto é, se elas foram tão repetidas, podemos tomar a seguinte atitude: Bem, nós já ouvimos isto antes, conhecemos isto! É exatamente isto o que queremos dizer com estar sempre aprendendo sem jamais poder chegar ao conhecimento da verdade, no sentido em que a palavra “conhecer” é empregada. O que vamos fazer? Como traduzir tudo isto em algo que seja mais do que palavras, mais do que pensamentos, mais do que idéias, mais do que apenas verdades como verdades, mais do que ensino, de modo a se tornar algo incorporado, expresso em um Homem? Isto pode ser, e deve ser. Exatamente o mesmo princípio deve operar como quando Cristo nasceu de Maria. Significa que a Palavra apresentada tem que nos levar a exercitar o coração. É isto o que aconteceu com Maria. Ela imediatamente exercitou o seu coração a respeito do que fora dito a ela. Você sabe que medida de exercício tem resultado em você ouvir a Palavra. Considere assim: O que isto significa? O que isto envolve? Que custo isto irá acarretar? A que isto vai levar? É esta a vontade de Deus para mim? Necessitamos assumir a Palavra de Deus de forma direta e deliberada; precisamos encará-la, contemplá-la e exercitar o nosso coração a respeito. Este é o primeiro passo em relação à encarnação da Palavra.

Tendo olhado para ela, tendo sido exercitado por ela, precisamos dar um passo deliberado em fé em relação a ela. Isto é necessário. Você jamais chegará a lugar algum, a menos que faça isso. Quando, tendo aceito a Palavra, pesado, olhado para ela à luz da vontade de Deus para você, e chegado a uma posição, então você toma uma atitude, se a atitude for na direção do Senhor, ela deve ser: “Eis aqui o servo do Senhor; cumpra-se em mim conforme a Tua vontade.” “Eu não sei como pode ser; parece algo impossível, muito elevado para mim, mas cumpra-se em mim”. Isto é fé. Maria não deu um passo atrás e disse: Bem, é uma revelação maravilhosa, mas é demais para mim; não creio que isto possa acontecer; realmente não posso aceitar isto! Maravilhosa como era a Palavra e impossível como ela era em qualquer outro terreno, exceto para Deus, com a absoluta impossibilidade de ela se cumprir em qualquer outro terreno natural, Maria disse: Contudo, cumpra-se! Isto é fé. Não é conforme aquilo que eu penso ser possível, que eu sinto ser possível, que me parece ser possível, mas “conforme a Tua vontade”. É conforme a Palavra, e esta Palavra não é algo impossível! Se Tu falaste, Tu não falas de impossibilidades, Tu não me desafias com impossibilidades! “...cumpra-se em mim segundo a Tua palavra”. É uma entrega em fé, um ato deliberado de fé em relação à Palavra, isto é o que se exige. Quantos de nós temos agido desta maneira em relação às coisas que temos ouvido? Quantos de nós saímos e, exercitando o coração, dizemos: “Senhor, esta é uma coisa tremenda, e, para mim, por via natural, é totalmente impossível; mas é a Tua Palavra, assim, cumpra-se em mim. Eu me apóio nela, eu a recebo, Tu a fazes prosperar. Eu apenas posso dizer, sim, eu creio, Senhor Deus”. Há muita coisa numa transação como esta. Sem isto nós não crescemos. Sem isto estaremos sempre aprendendo, porém, nunca chegando ao conhecimento da verdade. Sem isto muito da verdade se torna apenas algo meramente mental em sua apreensão, e não algo vivo, eficaz.

Embora muito tenhamos fracassado no passado, há algo a ser feito nesta questão. Quando o Senhor esteve falando a nós, deveríamos fazer disto o nosso principal negócio. Você não acreditaria o coração partido que é, para alguém que esteve pregando esta Palavra, descobrir que quase antes de ele terminar a sua mensagem, e de a reunião terminar, as pessoas já estão conversando sobre as trivialidades de seus assuntos domésticos e de negócios, coisas que podem muito bem esperar. É como se não houvesse qualquer situação séria ou crítica a ser questionada, mas apenas conversas que seguem ao longo da linha ordinária, coisas do dia a dia. Nosso ponto é que deve haver uma transação deliberada com o Senhor, se é para esta Palavra se tornar uma expressão de Deus numa vida; e Deus jamais poderá ficar satisfeito com nada mais diferente disto. Deus jamais poderá ficar satisfeito com meras declarações, mas somente com um homem que seja uma expressão viva de Suas palavras.

A Relação da Palavra com a Cruz

Este é o porque de a Palavra estar sempre relacionada à Cruz. O apóstolo Paulo usa esta frase: “Porque a palavra da cruz é ... o poder de Deus” (1 Cor. 1:18). Ela é o poder de Deus. Ela é a sabedoria de Deus. Sabemos que a palavra usada é o “Logos” da cruz. O Logos é a combinação de um pensamento com uma expressão de uma forma pessoal. É a Palavra em Pessoa, relacionada à cruz. É por isso que ela é colocada desta maneira pelo mesmo Espírito Santo de conhecimento e compreensão, no livro do apocalipse: “E Ele está vestido com um manto tingido de sangue: e o Seu nome é a Palavra de Deus” (Apo. 19:13). Você tem as duas coisas, o vestido salpicado de sangue, e o Seu nome “a Palavra de Deus”. Então você olha para a carta aos hebreus, e se lembra de que no capítulo nove, verso dezenove, você tem as seguintes palavras: “...levou o sangue de novilhos e de bodes, e também água, lã vermelha e ramos de hissopo, e aspergiu o próprio livro e a todo o povo ...” Temos aí a Palavra e o sangue. É a cruz que dá poder à Palavra.

A cruz do Senhor Jesus é algo tremendamente eficaz. A cruz do Senhor Jesus, em seu valor espiritual, irá derrubar qualquer coisa que permaneça no caminho de Deus. Ela irá eliminar o vestígio da velha criação. Ela irá destruir o poder do inimigo e suas obras. A cruz é algo tremendo, ela derruba, destrói e vence. A cruz, no seu lado da ressurreição, não possui limite de poder: “...a excelente grandeza de Seu poder que opera em nós, os que cremos, conforme a força de Seu poder que operou em Cristo, levantando-O dentre os mortos...” (Efé. 1:19, 20). A cruz possui esses dois lados, o lado que destrói e o lado que levanta, e é no poder da cruz do Senhor Jesus que a Palavra de Deus encontra sua eficácia. Cristo se torna a Palavra da cruz, e o Seu vestido salpicado de sangue é o vestido daquele que é “a Palavra de Deus”, e, como “Palavra de Deus”, Ele obtém o Seu poder por meio da cruz. Cristo crucificado é o poder de Deus. Quando a cruz tem o seu lugar em nossas vidas, a Palavra de Deus é tremendamente poderosa. Um pregador não crucificado é um pregador ineficiente e infrutífero. A ministração da Palavra de Deus vinda de qualquer pessoa que não seja um ministro ou um vaso crucificado é impotente, infrutífero, estéril. Encontre uma pessoa crucificada pregando a Palavra e você sabe que ela será eficaz, frutífera e ponderosa.

Tome Jeremias como uma grande ilustração do Velho Testamento. Se havia alguém crucificado em espírito, esse alguém era Jeremias. Ele traz as marcas de um homem crucificado desde o incício. Se você quer saber o que é um homem crucificado, leia o primeiro capítulo da profecia de Jeremias, e você irá identificá-lo imediatamente. Leia Jeremias e você irá ver uma vida toda retratada como um homem crucificado. Vá para o capítulo um, versos de quatro a seis:

“Veio a mim a Palavra do Senhor, dizendo: Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei; às nações de dei por profeta”

Qualquer homem natural, não crucificado, iria saltar aí e dizer: Meu! Eu sou alguém! Que poder está confiado a mim! Que ministério eu tenho!
“Então disse eu: Ah, Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque ainda sou um menino”

Esta é a reação de uma pessoa crucificada ante uma grande perspectiva colocada diante dela pelo Senhor. Veja o que um homem crucificado pode ser quando o Senhor o tem em Suas mãos – versos nove e dez:

“...E estendeu o Senhor a Sua mão e tocou-me na boca, e disse-me: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca; ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre reinos, para arrancares, e derrubares, e destruíres, e arruinares; e também para edificares e para plantares”

Há cruz na palavra do homem crucificado: “...Minhas palavras em tua boca...” destruíres, derrubares, arrancares. Este é o poder da cruz. O Senhor faz isso em relação a nós. A cruz opera destruição em nossa carne. Ela nos aniquila. Mas há o outro lado da cruz, que edifica, que planta. Este é o trabalho da cruz na ressurreição. É desta maneira que temos a Palavra na boca de uma pessoa crucificada. É a Palavra da cruz em eficácia. É Cristo crucificado trazendo à vista um Homem Celestial, através da personificação da Palavra de Deus. A Palavra da Cruz elimina aquele outro homem que tanto se projeta, o qual deverá estar sintetizado no anticristo, o super-homem, que irá se assentar no próprio templo de Deus, fazendo-se passar como se fosse Deus; algum grande homem desta velha e amaldiçoada criação, tão exaltado em orgulho que assume o próprio lugar de Deus. A cruz o expulsa, e traz o Homem de Deus à vista, alguém que é maior do que ele. Em contraposição ao anticristo está Cristo, e não há comparação. A cruz traz este Homem, fazendo com que o outro desapareça. Tudo aquilo em nós que pertence ao outro homem é reduzido a nada pela cruz, abrindo, assim, espaço para a revelação do Homem Celestial, tanto pessoal como corporativo, e nos dá um ministério que é resultado da obra de Sua Palavra em nós. É um ministério de obra, não um ministério de afirmações. É por isto que temos enfatizado nas palavras de João quatorze — “...as palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai que habita em mim é quem faz as Suas obras”. O Pai que habita nele é quem estava realizando as Suas obras. As palavras que Jesus falava, Ele não as falava de Si mesmo; elas eram consequências da obra do Pai. Assim, não é uma questão de verdade, de ensino, de palavras, de idéias; é um ministério (evidenciado, talvez por palavras, mas “palavras que o Espírito Santo ensina”) resultante de obras que procedem do interior, as obras do Espírito que está lá dentro. O Senhor nos leve mais para isto.

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