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As Vozes dos Profetas

por T. Austin-Sparks

Capítulo 14 – A Voz de Micaías

"Eles não conheceram ... as vozes dos profetas que eram lidos todos os sábados" (Atos 13:27).

"Até quantas vezes te conjurarei, que não me fales senão a verdade em nome do Senhor?" (1 Reis 22:16).

Esta é uma história emocionante, e se lê como um drama. Micaías é – na medida que o texto prossegue – um dos profetas menos expressivos, porém, muito evidentemente, foi bastante considerado em Israel, mesmo não sendo muito popular. É algo a ser observado que a sua prestação de contas tenha se dado por conta de sua impopularidade.  Evidentemente ele era levado muito a sério, mesmo pertencendo a uma minoria. Entre os profetas de Israel, sua relação era de, digamos,

Quatrocentos Por Um

Esta é a primeira coisa impressionante a ser observada. É possível que um servo de Deus, ou ‘voz’ de Deus, seja apenas um dentre uma disparidade de quatrocentos! Mas não apenas em proporção, mas, também, seja o único a estar certo e, no final, seja vindicado. Assim nos mostra esta história.

Naturalmente, isso não significa que a singularidade é necessariamente uma virtude, e que, ser diferente de todos os demais signifique estar certo. Porém, dado ser esse o tipo de solidão de Micaías, ela pode muito bem ser a ‘voz’ da verdade.

Nosso versículo acima contém uma sugestão e uma implicação muito esclarecedora. Disse Acabe a Micaías: "Quantas vezes lhe conjurei ...?" Esta, então, está longe de ser a primeira vez que Micaías tinha brincado e zombado de Acabe. O profeta evidentemente conhecia este homem. Sabia perfeitamente que ele era o tipo de homem que, se o seu coração se propusesse a ter ou fazer alguma coisa, ele certamente o faria, a qualquer preço, mesmo que custasse a vida de um homem bom, como no caso de Nabote e sua vinha. O tom deliberado de irrealidade na voz de Micaías, que até mesmo um homem mau e egoísta não falharia em perceber, tinha provocado Acabe diversas vezes, fazendo-o exigir a verdade, embora não tivesse a menor intenção de aceitá-la. 

A voz desse profeta, em primeiro lugar, mostra que é possível uma pessoa estar tão determinada e obcecada por seu próprio caminho, no sentido de perseguir o seu objetivo, mesmo sem o conhecimento da verdade e de todo conselho fiel. Tal atitude possui em sua própria essência a semente da desgraça. É muito impressionante que essa mesma força de vontade própria tenha se tornado a característica de Israel nos anos seguintes a Acabe, e tenha resultado em setenta anos de cativeiro. Pior ainda, foi exatamente essa atitude que finalmente levou Israel a se desmantelar como nação, por terem eles rejeitado Aquele que era a Verdade. Primeiro Micaías jogou com Acabe, como um gato faz com o rato, e, então, acabou com ele. Qual foi a razão da desgraça de Acabe? Foi conhecer a verdade, mas se negar obedecê-la!

Mas, o que dizer sobre Micaías? Os quatrocentos profetas haviam cedido à pressão popular. O poder dominante exigia um determinado tema. A política exigia alinhamento. A corrente em voga requeria aquiescência. O dia e a hora diziam que um ajustamento a sua tendência era essencial. A segurança e a liberdade diziam –‘Alinhem-se'. Os quatrocentos servos do tempo, oportunistas, estavam apenas preocupados com as coisas que iriam afetar os seus próprios interesses e expectativas. Contudo, havia a presença embaraçosa de Josafá que, embora eventualmente tivesse sufocado o seu melhor julgamento, teve o bom senso de que todo aquele barulho e clamor eram vazios e careciam de autenticidade. Ele perguntou a Acabe se não havia outra ‘voz’ que pudesse ser ouvida. Isso deixou Acabe irritadiço e de mau humor, porque Josafá, com sua pergunta, provocou uma dissonância na música e trouxe uma nuvem no horizonte alegre. Sim, havia esse sujeito que não tinha sido convidado para a convocação porque – bem – ele falava a verdade impopular. Josafá insistia que Micaías devia ser chamado, e os mensageiros procuravam persuadi-lo a tocar o tom popular, cantar a música popular, e a entrar na linha.

Mas Micaías tinha todos os motivos para saber quais seriam as consequências da desobediência. Ele conhecia Acabe muito bem; sabia que ele não era o tipo de homem que aceitaria agradavelmente ter as suas ambições podadas ou questionadas. Além disso, por trás de Acabe estava aquele gênio do mal, sua esposa Jezabel. Se Jezabel tivesse conseguido fazer alguém como Elias fugir, a fim de proteger a sua vida, Micaías não iria ter um destino diferente. Ele já estava na mira de Acabe. Opor-se a ele em tais circunstâncias não iria facilitar as coisas. Com seus olhos bem abertos para as consequências, após insultar Acabe, ele – a todo custo – disse aquilo que sabia ser a palavra do Senhor. Há mais detalhes, como você pode ver, ao ler a história, mas o martelo foi batido e Micaías acabou ficando numa prisão de descrédito, num ostracismo, privação e exclusão. Porém, eventualmente sua palavra provou-se ser verdadeira. Não sabemos quais foram os pensamentos de Acabe quando ele foi levado para longe, onde foi ferido mortalmente, passando um dia miserável até que finalmente morreu ao cair do sol, mas podemos imaginar. Sabemos o que Jeú fez aos quatrocentos e a Jezabel. A partir daí, vemos que, se Micaías tivesse se comprometido, seu destino teria sido muito pior do que o de Acabe.
Voltemos ao nosso objetivo geral. A nossa passagem básica em Atos 13:27 foca-se nas vozes de todos os profetas de Cristo, o qual é a ‘Voz’ inclusiva, plena e final. Cristo, como a Verdade de Deus, permaneceu sozinho, “desprezado e rejeitado dos homens”. A Ele foram oferecidos subornos no deserto, e, em Suas últimas agonias na Cruz, recusou-se a “descer” de lá e a ter um caminho mais fácil. "Ele suportou a Cruz, desprezando a vergonha”.

Este é o caminho de todo aquele que tem uma unção profética, o qual se opõe à tendência popular; este é o caminho de todo aquele que realmente possui uma mensagem de Deus. Não um ‘viés’, uma ‘singularidade’, uma ‘idiossincrasia’, uma ‘excentricidade’. Há muito disso. Mas a posição de Micaías era por realidade! É isto o que representaram todos os profetas, e, se havia algo que realmente enfurecia o Senhor Jesus era a hipocrisia, a irrealidade, a falsidade, e o compromisso com “o príncipe deste mundo’, em princípio ou sistema.

A menos que estejamos equivocados, o Espírito de Deus está enfatizando esta questão da realidade de uma maneira muito completa e definitiva em nossos dias. Os ‘quatrocentos’ podem parecer triunfar por um pouco de tempo; os ‘Micaías’ podem pertencer a uma minoria de rejeitados, porém, a minoria irá triunfar no final.

Assim diz a ‘voz’ deste profeta.
 

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