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“Havendo Deus Falado”

por T. Austin-Sparks

Capítulo 8 - O Apelo Reiterado

Bem no início desta carta, tendo feito uma grande e multifacetada comparação e contraste entre os maiores personagens e coisas da antiga dispensação e Jesus, o Filho de Deus, o escritor, então, faz um apelo e uma advertência em termos bem superlativos. "Como escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação?" Ao longo da carta ele aplica isso em várias conexões, mas ele o faz sempre regido por essa última frase

"Tão Grande Salvação"

Então é disso que se trata! Salvação. Grande salvação. Tão grande salvação! Como não pode haver duas salvações, esta e alguma outra, mas esta tão grande salvação é realmente o que Deus pretende por salvação, é por isso que olhamos novamente para o que foi dito nestas páginas quanto à grandeza de Cristo, a grandeza do nosso chamado, a grandeza de nosso destino pretendido e a grandeza de nossa responsabilidade. Uma coisa deve surgir desta consideração, isto é, que a salvação é algo muito maior no aspecto ”salvos para” do que no aspecto “salvos de”. Isto é, há muito mais no propósito de Deus para o homem do que apenas salvá-lo do pecado, do julgamento, da morte e do inferno. Por mais que a redenção seja algo tremendo, contudo, a sua função consiste apenas em levar o homem de volta ao lugar onde o propósito original pleno de Deus possa ser desenvolvido. A "queda" foi algo que custou muito caro ao homem, porém, a sua recuperação tem um propósito muito mais elevado do que apenas restaurá-lo. O Evangelho normalmente pregado está muito mais ocupado com o homem em si e com as vantagens e benefícios imediatos da salvação. Prometer o céu e levar o homem para lá, isso é tudo. Contudo, a "tão grande salvação" possui questões imensas ligadas a ela e inclui todos os superlativos e "mistérios" das incomparáveis ​​revelações de Paulo acerca do "propósito eterno". O maior aspecto da salvação é o que está implicado no "salvos para", por maior que seja o "salvos de". Se mais desta grandeza tivesse dominado os pregadores, e fosse o motivo poderoso de sua pregação, como foi no caso de Paulo, e de outros, o apelo aos homens necessitaria de quase nenhum adereço, como mencionamos em nosso último capítulo.

É à luz desse aspecto mais positivo que o nosso escritor tão repetidamente faz o seu apelo, rogando e advertindo, e agora pretendemos finalizar nossas meditações examinando muito rapidamente esses apelos.

Embora o próprio escritor estivesse por demais envolvido com a sua temática, para que pudesse fazer uma parada, a fim de sistematizar o assunto, pode ser útil se fizermos algo nesse sentido. Sendo assim, sem muito esforço, podemos colocar essas reiterações em três conexões - A, B e C.

Entendemos através desta carta que aqueles a quem ela foi escrita eram crentes no Senhor Jesus, os quais haviam se entregado a Ele. Eles são chamados de "santos irmãos" (3: 1), o que implica em consagração a Cristo. É neste pressuposto que o escritor baseia os seus apelos e advertências.

A. A Base da Consagração

Essa base é vista nas primeiras séries de apelos.

1. (4:1) ”Temamos" .

Se a consagração ao Senhor for genuína, baseada numa adequada compreensão de Sua superioridade em relação a todos os demais, então ela terá em si este elemento de temor santo. O contexto mostra que é a grande perspectiva que surgiu com Cristo que cria tal temor. O santo temor deve ser sempre uma marca na vida do cristão; não temor do julgamento; não medo do Senhor; mas temor de que possa haver alguma falta de tudo aquilo que está implícito no chamado da graça. A presença de tal exortação por si só já é suficiente para provar que apenas ter aceitado a Cristo não é suficiente para garantir a realização (para usar a palavra de Paulo) de tudo aquilo que está incluído em termos sido "alcançado por Cristo Jesus".

2. (4:11) ”Procuremos diligentemente”; literalmente "apressemo-nos".

Isso se aplica ao fator tempo, especialmente ao tempo espiritual. "Durante o tempo que se chama Hoje" ou "Hoje, se ouvirdes", essa é a base do apelo aqui. A falta de urgência e diligência terá dois efeitos. O tempo oportuno de Deus - que jamais se mostrou ser outro tempo que não este em que vivemos hoje - pode ser perdido; e, ou, a nossa capacidade ou habilidade de tirar proveito de tudo aquilo que pode ser apreendido pode se perder, e sermos encontrados como navios encalhados em algum banco de areia.

3. (4:14) "Retenhamos firmes" literalmente "agarremos".
É muito fácil perder a aderência e ficar solto ou folgado. Você fez uma confissão; reafirme, e não permita que o pleno significado e valor dessa confissão escape da sua mão, ou seja tirado de você. Feche bem a sua mão contra tudo que queira roubá-lo de você.

4. (4:16) "Cheguemos… com confiança".
Falso temor, timidez, incerteza ou qualquer coisa que pertença a essa grande família da Dúvida, tudo isso irá nos manter afastados, se possível. O Trono da Graça está lá. O Sangue abriu o caminho. O Sumo Sacerdote com toda compaixão estende a mão de Deus para pegar a sua. Por que hesitar, duvidar, vacilar? Permanecer afastado significa estar mais e mais envolvido no desânimo e nas acusações de Satanás. Faça o ousado mergulho de fé na misericórdia e no amor de Deus; dê crédito a Ele por aquilo que Ele diz e se "aproxime".

B. O Desenvolvimento da Consagração

1. (6:1) "Prossigamos..."
O real valor desta exortação é encontrado na implicação da palavra grega usada. É a mesma palavra que está em Atos 2: 2 ("correndo") e II Pedro 1:21 ("movido"). Significa ser levado por outra pessoa. Isso indicaria que Deus está se movendo para frente, que o Espírito de Deus está seguindo em frente. Ele não está se detendo nem se atrasando, mas com grande energia está perseguindo o Seu alvo. Vamos nos lançar nessa corrida com Ele. Deixemo-nos ser levados pelos movimentos Dele. Vamos nos render ao Seu poder. Não sejamos deixados para trás pelo Senhor. "Crescimento pleno", esta é a Sua meta; não permaneçamos infantis ou imaturos.

2. (10:22) "Cheguemo-nos".
Isso não é o mesmo que o número 4 acima. Lá era uma questão de nos ajustarmos para sermos recebidos. Já aqui é uma questão de comunhão após o ajuste. No primeiro caso não precisamos e não devemos ficar afastados, perguntando se por ventura podemos ousar nos aproximar. No segundo caso, não devemos vir com reservas que nos impeçam de entrar positivamente nessa comunhão que nos é oferecida.

3. (10:23) "Retenhamos firme"
Novamente, isso não é o mesmo que o número 3 acima. Lá o sentido era segurar firme; agarrar-se. Aqui o sentido é manter-se firme. É uma questão de tenacidade em relação à "nossa esperança", para que ela "não vacile". Isso vai direto à raiz do objetivo de toda essa carta. É um caminho custoso e difícil. É ir para "fora do arraial, levando o seu vitupério". Nós fizemos uma confissão. Talvez tenhamos nos enfraquecido. Porém, tendo reforçado o nosso aperto, não nos enfraqueçamos novamente, mas sejamos persistentes.

4 (10:24) "Consideremo-nos uns aos outros". Ou melhor, "examinemos" uns aos outros com o objetivo de 
(a) Imitar o bem um no outro.
(b) Estimular um ao outro a fazer o bem, amar e praticar boas obras.

Em resumo, consideremos uns aos outros com o objetivo de nos ajudarmos positivamente a alcançarmos a meta - não notando as faltas e defeitos uns dos outros, retardando, assim, o progresso do outro e o nosso também.

C. As Características da Consagração

Tendo feito seu apelo para que haja uma renovada consagração, e, tendo mostrado o que é a consagração, o escritor procede a uma série de exortações que indicam como deve ser uma pessoa verdadeiramente consagrada; o que é necessário para caracterizar tal pessoa.
1. (12:1) "Deixemos de lado"
Se realmente quisermos falar de empreendimento em relação a esse "chamado celestial" (3: 1), devemos e vamos olhar para tudo do ponto de vista de se a coisa é positiva ou negativa. Tal coisa ajuda? Se não ajuda, então deve ser descartada. Pois, por impedir, retardar ou tornar pesada a caminhada, está condenada. O curso deve estar o mais desimpedido possível, e qualquer coisa ou alguém que não faça parte do empreendimento, que esteja apenas obstruindo ou nos fazendo perder tempo, deve ser deixado de lado. Isso se aplica à "bagagem da vida", e, também às distrações e diversões, aos desencorajamentos e desânimos. Nessa corrida não há espaço para o temperamentalismo e o mau humor, e o pecado da dúvida e da desconfiança que facilmente nos aflige rapidamente irá levar o peregrino ao Pântano do Desânimo.

2. (12:1) "Corramos".
Corramos, e não apenas fiquemos falando sobre consagração; não apenas fiquemos interessados nesse assunto; não sejamos meramente membros de algum 'Comitê de Consagração'; não sejamos especialistas na técnica do atletismo, conhecendo corridas e corredores, cursos, regras, roupa e prêmios; mas, sim, “corramos” de fato; façamos isso. Há muitas pessoas por aí que conhecem todo ensino e doutrina acerca da consagração, mas suas arrancadas são lentas, são corredores fracos, que precisam sempre serem encorajados, revigorados, que precisam de um descanso! Avancemos; corramos "com paciência". Permaneçamos na corrida.

3. (12:28) "Retenhamos (ou aceitemos) a graça pela qual sirvamos... "
Aqui a palavra grega para servir sugere um retorno por algo recebido. A graça é uma grande bênção e um grande benefício. A graça que nos chamou com tal “vocação celestial” para tal “parceria” (3: 1) certamente cria uma responsabilidade que nasce da dívida. Vamos tomar essa graça com os nossos corações agradecidos e provar nosso senso de dívida através do serviço.

4. (13:13) "Saiamos, pois, a Ele para fora do arraial".
Em apreciação à suprema grandeza de Cristo e à graça que nos foi concedida, mostremos que não nos envergonhamos Dele, mas que estamos preparados para sofrer com Ele e tomar parte do Seu opróbrio. Se realmente estamos consagrados a Cristo, ficaremos contentes em estar ao lado Dele, embora Ele e os Seus interesses sejam rejeitados até mesmo pelo próprio sistema Judaico-Cristão que está mais interessado em si mesmo do que no Senhor.

5. (13:15) "Ofereçamos sempre um sacrifício contínuo de louvor".
Esta é a pedra angular, a coroa da consagração. Reprovação e rejeição, sim, e tudo mais que esteja envolvido; mas será que Ele não é digno? Irá o fim justificar a consagração? Filiação, domínio, parceria com Cristo coroado de honra e glória, a Casa de Deus para sempre; estas são as coisas apresentadas nesta carta. Se nós realmente temos visto o Senhor, se temos entendido o que significa uma parceria com Ele, de modo que nos entregamos a Ele, então faremos parte daquelas turmas sacerdotais de cantores que - segundo a constituição de Davi - nunca cessavam. Esta carta está grandemente ligada à Casa, ao Sacerdócio e ao Sacrifício, de modo que não é de surpreender que, por implicação, deva terminar nas "vinte e quatro turmas de cantores" - uma turma para cada ciclo do sol, dia e noite. "Um sacrifício de louvor continuo" ou "um sacrifício de louvor perpétuo".

Assim, catorze vezes nesta carta o apelo é feito contra todo e qualquer fracasso de se manter sempre numa ativa busca pelos pensamentos mais plenos de Deus em relação ao Seu povo. O espírito de Calebe é tão apropriado a tudo isso; ele "seguiu plenamente o Senhor" e, já em idade avançada, solicitou uma região montanhosa, uma montanha, a fim de provar que ele ainda possuía aquela mesma mentalidade, e que o Senhor honra os tais com suprimentos de vitalidade espiritual. Ele tinha visto o que Deus havia revelado como sendo o Seu propósito para o povo e isso era que importava para ele. Ele - Calebe - não aceitaria nada menos do que isso. Ele jamais falaria sobre isso como sendo algo "ideal, porém impraticável", ou "um estado de coisas sendo o que é - ruínas - e que devemos aceitá-lo e tirar o melhor proveito de tudo". Qualquer conversa desse tipo soaria a Calebe com sendo uma traição: uma deslealdade para com o Senhor; uma admissão de que Deus pretendia algo, mas que se revelou impraticável e, portanto, deve ser trocado por algo menor. A mente de Calebe era esta: a maioria poderia tomar outra atitude, mas, até que Deus revelasse outra coisa em relação ao Seu propósito, embora ele fosse o único a "seguir em frente", ele se manteria nessa posição. Tal atitude e tal espírito foram completamente honrados por Deus, de modo que não apenas Calebe herdou, mas Judá também entrou em sua herança por causa da fidelidade desse homem. E Judá representa algo no pensamento divino!

Enquanto "Hebreus" e "Efésios" ainda permanecerem fazendo parte da Bíblia, é isso que Deus deseja para o Seu povo, mesmo que, comparativamente, sejam poucos os que "avançam". Tomar outra atitude diferente dessa só pode significar grave perda. Por isso, a essas repetidas exortações o escritor liga uma repetida nota de aviso "Para que não". Vale a pena considerarmos as nove ocorrências dessa nota de aviso. Elas abrangem toda forma de possível causa de fracasso - desde a falta de atenção necessária para se prender as amarras no ancoradouro, evitando que a embarcação seja levada pela correnteza para o alto mar ou para as rochas, até um endurecimento definitivo do coração contra o apelo "Hoje, se ouvireis a sua voz ". Este último é um apelo dado a cristãos (e não aos não salvos) como os pregadores costumam fazer de forma quase que exclusiva.

Tudo isso, então, nos traz de volta ao ponto de partida - as implicações desta carta - e deve nos fazer examinar o Cristianismo moderno bem como a nossa própria posição, para ver se é apenas um sistema estabelecido, uma tradição, uma herança, ou se é algo que de fato esteja nos levando para a Boa Terra, para a meta, para a plenitude de Cristo.

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