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Vimos a Sua glória - Volume 1

por T. Austin-Sparks

Capítulo 5 - Andando no poder de Deus

João 5.

Versículos chave: 19, 20, 21 e 30.

 
No capítulo 5, retornamos com Cristo de volta à Jerusalém. Não podemos deixar de perceber a importância e o significado do registro das visitas à Judeia e à Jerusalém no Evangelho de João. O senso comum é de que essas visitas possuem uma relação com a posição, condição e destino da nação Judaica. Devemos, então, analisar a interrelação entre cada uma dessas visitas e eventos. Veremos isso em maiores detalhes à medida que continuamos, mas chamamos a atenção agora, de forma geral, para dois aspectos: um, a associação próxima com a história de Israel, e o outro, a posição da ordem Mosaica.
 
Vejamos então algumas dessas conexões:
 
Capítulo 1. “O Cordeiro de Deus”. Quanta história relacionada à Israel está por trás dessa expressão.
 
Capítulo 2. As Bodas. Observe essas duas passagens:
 
“Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31:31-33).
 
“Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda. E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, não segundo a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8:7-10).
 
Aqui, como podemos ver, o ponto era a aliança de casamento, e isso é transferido da aliança feita através de Moisés para a aliança feita no Sangue de Jesus Cristo.
 
Capítulo 3. A serpente levantada (Números 21).
 
Capítulo 4. O poço de água. É interessante e significativo notar que o poço de água foi trazido à vista quase que imediatamente após o levantar da serpente de bronze (Números 21), e essa é mesma ordem em João 3 e 4.
 
Capítulo 5. O homem impotente (trataremos disso neste capítulo).
 
Capítulo 6. O Maná.
 
Capítulos 7, 8 e 9. A Festa dos Tabernáculos.
 
Capítulo 10. A Festa da Dedicação.
 
Capítulo 11. O sentido espiritual do Jordão - morte, sepultamento e ressurreição, como algo no coração da história de Israel.
 
Capítulo 12. A cegueira de Israel (versos 37-41). Veja a conexão com as passagens de Isaías, capítulos 6 e 53.
 
Capítulo 15. A Videira. Isaías 5 representa Israel como a videira, ou a vinha, e essa era uma figura comum entre os profetas de Israel. Isso é transferido em João 15, pelo Senhor Jesus, de Israel para Ele mesmo.
 
Capítulo 17. O Sumo Sacerdote, com o altar e toda a oferta queimada em vista.
 
Outros aspectos podem ser traçados, mas há apenas uma coisa a ser lembrada: tudo o que se refere a Israel, em “João”, está em má condição, representando o deixar de lado do judaísmo para trazer à luz a Igreja. Cristo faz isso tomando todos os elementos da vida real de Israel, e os incorporando como características espirituais da constituição, vida e vocação da Igreja. A partir disso, tudo que surge na doutrina do Novo Testamento terá sua semente encontrada nos Evangelhos, e especialmente em “João”.
 
Seguindo para João 5, veremos aqui, como aconteceu em outras ocasiões, que foi uma Festa dos Judeus que trouxe o Senhor até Jerusalém. Não sabemos exatamente qual era. Outras Festas são mencionadas, algumas nominalmente, como a da Páscoa, e outras são marcadas por características específicas, não nos deixando dúvidas de qual se tratava. No entanto, esse não é o caso aqui. O texto original não nos apresenta o artigo A festa dos judeus, apesar de ter sido adotado em algumas traduções. Se o artigo tivesse sido apresentado, saberíamos que se referia à Páscoa. Muitas conjecturas podem ser feitas, mas, se pudermos estimar uma data para esse incidente, diríamos que parecia ser a Festa do Purim. Essa Festa aconteceu originalmente nos dias do cativeiro, conforme vemos no livro de Ester. Tal festa é relacionada à maravilhosa anulação feita por Deus dos conselhos do maléfico Hamã, e a libertação dos Judeus de uma morte terrível, sentença debaixo da qual eles viviam até que o Senhor transformou sua morte em vida.

Se essa é a Festa mencionada no capítulo 5, então os versos 24 a 27 tomam um significado maravilhoso: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo. E lhe deu autoridade para julgar, porque é o Filho do Homem”. Se compararmos essas palavras com as palavras do livro de Ester, veremos como se encaixam maravilhosamente. Condenação e morte trocadas por vida, e o Senhor Jesus tomando o lugar de Mordecai, para Quem, finalmente, é delegada a autoridade de executar juízo, mesmo tendo Ele sido deixado de lado, humilhado e rejeitado pelos homens.
 
Mas, existe outra característica histórica no pano de fundo desse capítulo. Em primeiro plano temos o homem paralítico no poço, e somos informados de que ele estivera ali, naquele estado, por trinta e oito anos. Esse foi exatamente o tempo que o povo de Israel vagueou pelo deserto, no período compreendido entre o recebimento da lei no Sinai, até a morte de Moisés. Note essas duas coisas: (1) uma lei foi dada, (2) temos uma vida impotente, fraca e incapaz debaixo da lei. Que grande luz é lançada sobre isso nos escritos subsequentes do Novo Testamento. O Apóstolo Paulo fala algo a esse respeito em sua carta aos Romanos. Ele mostra que, embora o homem tenha sido sempre fraco, sua fraqueza não era manifesta e trazida a luz, até que a lei foi dada. A partir da lei, o grande fato universal de que o homem é totalmente impotente diante das demandas de um Deus santo ficou totalmente patente. Não que a lei seja propriamente má. Não, ela é boa, e se apenas fosse possível cumpri-la, isso seria uma grande bênção para o homem. Deus nunca impõe sobre o homem algo que não seja para seu bem. No entanto, por causa do pecado e do estado caído do homem, ele herdou uma fraqueza que o faz se render totalmente incapaz diante das demandas de Deus. Assim, aquilo que redundaria no seu bem se torna no instrumento que o conscientiza da sua fraqueza e desamparo.
 
Essa é a imagem que temos em João 5. Aqui está um homem em sua cama por trinta e oito anos. Uma cama deve ser algo bom, uma bênção, mas no caso desse homem, a cama passou a ser um símbolo de sua fraqueza e escravidão, se tornando, de fato, num tirano, ao invés de um amigo. Então, bem no coração de Jerusalém, vemos esse longo e estendido desamparo de Israel, ilustrado na vida de um único homem vivendo na escravidão de sua própria fraqueza por trinta e oito anos. Qual é a esperança para Israel? Qual era a esperança para esse homem? A esperança está em uma única direção, indicada logo no início do evangelho de João: “a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” [Jo 1:17]. A esperança, então, está na direção da graça e da verdade, vinda na Pessoa do Senhor Jesus. O Senhor entra em cena quando todas as esperanças se desvaneceram e desapareceram quase que praticamente, se não totalmente, do coração daquela pobre, indefesa vítima.
 
Que cena é essa, não apenas de Israel, mas de todo homem sem Cristo! Não é uma questão de pecados, muitos ou poucos. Não é uma questão de força moral, maior ou menor; mas é o fato de estar face a face com a perfeição de Deus em Cristo. Como pode o homem, em seu melhor, responder satisfatoriamente a Deus? Não existe nenhum homem que possa fazer isso. Lembrando que apenas uma violação, em um único ponto, declara a imperfeição, envolvendo tanto o indivíduo como a raça no fato da pecaminosidade. Temos que chegar à conclusão de Paulo: “todos pecaram e carecem da glória de Deus” [Rm 3:23]. “Não há justo, nem um sequer” [Rm 3:10]. Não podemos escapar. Todos temos que prestar contas diante do tribunal de Cristo. Qual é a nossa esperança? Nossa esperança está somente em Cristo e na graça de Deus em Jesus Cristo. Em sua maravilhosa carta aos Gálatas, o Apóstolo Paulo descortina diante de nós a graça incomparável de Deus que nos foi concedida através da morte de Cristo e da nossa morte com Ele, nos libertando da escravidão da lei.
 
Mas esse homem não terminou sua história ali. Aconteceu algo glorioso quando o Senhor Jesus chegou à sua vida. Enquanto, no princípio, seu leito era seu senhor, seu dono, no final, ele se tornou o senhor do seu leito. Enquanto que, no início, ele era completamente dependente dos outros, e toda sua força dependia de algo externo, no final, sua força estava dentro dele, o que o possibilitou ficar de pé e não apenas andar, mas, como vemos no tempo verbal grego empregado, ele “se manteve andando” ou “esteve andando o tempo todo”.
 
Vemos, então, que o que está em vista em primeiro lugar é a libertação da escravidão da lei e da incorrigível incapacidade e fraqueza de todo homem por natureza, diante do padrão demandado por Deus, pelo qual Ele não desculpará nenhum único indivíduo. Essa libertação é encontrada na linha da graça, trazida para a nossa experiência através do relacionamento vital com o Senhor Jesus. Mas, se o andar no poder de Deus é o que se tem em vista, temos então que perceber a lei contida nessa benção e verdade divinas. Qual é a lei desse andar em vida e poder? Bem, nosso verso chave nos conduz a ela. O homem dessa história havia tentado muito, por muito tempo, encontrar em si mesmo a energia pela qual pudesse ficar de pé e andar. Isso ele nunca encontrou. Então, quando o Senhor Jesus entra em cena, esse homem descobre que existe uma energia nEle (em Cristo), e essa energia flui quando as palavras estão sendo proferidas – um cumprimento total daquilo que o Senhor Jesus disse nesse Evangelho: “...as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida” [Jo 6:63]. Então, esse homem, incapaz de andar por sua própria força, encontra-se agora capaz de se levantar e andar pela energia que procede de Cristo; e a simples lei desse andar no poder de Deus é descobrir que tudo provem do Senhor e não de nós mesmos. Essa foi a lei da ascendência espiritual e moral da própria vida de Cristo. Tomando representativamente o lugar do homem, Ele disse: “...o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai...” [Jo 5:19], se referindo às Suas palavras e obras como procedendo do Pai e não de Si mesmo. No texto, a pequena palavra “de” é uma preposição grega que significa “vinda de”. Por isso, Cristo viveu Sua vida como sendo proveniente (ou derivada) do Pai. Assim Ele encarou assim cada exigência, cada responsabilidade. Portanto, Sua vida foi uma vitória sobre todas as fraquezas e deficiências.
 
Mas, perceba, tudo isso aconteceu no Sábado, e o Sábado nesse capítulo significa descanso de Deus. Deus chegou ao fim de Sua obra e descansou. Como em cada parte desse Evangelho, Cristo é o principal personagem em vista e esse sábado aponta para Ele, por assim dizer: no Seu Filho, Deus alcançou o fim de Sua obra, e agora está satisfeito e em descanso. Cristo é a soma de toda a obra do Pai. A partir dessa plenitude de Deus em Cristo, nós, que vínhamos nos esforçando debaixo da escravidão da lei, podemos andar no descanso de termos sido libertos pela fé em Jesus Cristo.
 
A vida do crente consiste em aprender, de forma contínua e progressiva, como viver uma vida que provém do Senhor. Devemos sempre estar conscientes de nossas próprias fraquezas. Em nós mesmos não devemos ser nada além de fracos e impotentes. Vemos que em Cristo reside toda força, toda habilidade, toda sabedoria e toda graça. Mas tudo isso que nEle está é para nós, na medida que nos recusamos a aceitar nosso próprio estado como o critério e o argumento final, mas quando, pela fé, nos apossamos do Senhor Jesus, e nos movemos para encarar nossas obrigações através dEle. Aí descobriremos que somos capazes de fazer coisas impossíveis, apesar de termos tentado muitas vezes. Devemos aprender aquilo que o apóstolo [Paulo] queria dizer quando disse que o Senhor lhe havia dito que Seu poder se aperfeiçoava na fraqueza. Nos sentimos aleijados? Nos desesperamos por nunca sermos capazes de andar e servir adequadamente a um bom propósito? Tentamos e falhamos todas as vezes? Vamos aprender a lição de João 5. Nada de nós mesmos, mas tudo, que até então nos era impossível, a partir de Cristo.
 
Vamos pedir ao Senhor que nos mostre como viver pela fé no Filho de Deus. Essa vida é uma vida que vence aquilo que antes era nossa escravidão, nosso tirano. Não me refiro a alguma coisa, mas ao próprio Senhor. Voltando à referência de Ester, que de alguma forma se encontra no pano de fundo desse capítulo, devemos conhecer a maravilhosa alegria registrada nesse pequeno livro derivada de intervenção divina, “um dia de alegria!” [Et 9:19].

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