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"Teu é o Reino, e o Poder, e a Glória"

por T. Austin-Sparks

Capítulo 1 - A Vocação da Igreja

"A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo... Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então, Jesus lhe ordenou... Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto" (Mat. 4:1, 8-10).

"Não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do maligno: pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre" (Mat. 6:13).

" A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo".

" Não nos deixes (ou leves) cair em tentação; mas livra-nos do maligno".

"...mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares".

"Livra-nos do maligno: Pois teu é o reino, e o poder e a glória para sempre". Como alguém que crê grandemente na Versão Revista, provavelmente torna-se necessário dizer só uma pequena palavra aqui, porque a Versão Revista deixa essa Doxologia fora do texto e a coloca na nota de rodapé. Certamente fica num grande debate a pergunta de se os Revisores estavam certos ao fazer isso. De quinhentas autoridades originais, somente oito omitem essa Doxologia, e portanto uma grande multidão a aceitam. E pessoalmente sinto, e acredito que muitos outros sentem, que existe toda a razão na Palavra de Deus por que deveria ser retido no texto. Para mim, a maior razão é a importância disso, e tenho tentado permitir com que a própria Palavra sugira essa importância ao juntar estas duas partes diferentes. Tenho certeza de que a maioria de vocês têm percebido o elemento complementar nestas duas passagens, como condizem em princípio, como uma é parte da outra em significado. Vamos, portanto, procurar permanecer melhor nessa esfera dos valores espirituais do que nos interesses meramente técnicos no que respeita à Palavra de Deus.

Não vamos nos deter nos detalhes do que é chamado "A oração do Pai nosso", porém analisaremos algumas das grandes características espirituais que aparecem nesta grande frase final da oração. "Não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do maligno: pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre" - Reino, poder, glória, como pertencendo ao Senhor para todo o sempre.

O Verdadeiro Problema Por Trás da Tentação

Da primeira coisa que tomamos nota é da importância dessa pequena conjunção, "pois". "Livra-nos do maligno; pois teu é o reino e o poder e a glória". Leve isso para o Capítulo 4, onde os reinos deste mundo e a glória deles são oferecidos por Satanás ao Senhor Jesus, e recusados com uma lembrança das Escrituras: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto". Certamente, isso corresponde com a primeira declaração, "Pois teu é o reino, e o poder, e a glória". Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno; pois Teu é o Reino. Quando você traduz literalmente as palavras assim, você se aproxima da importância delas. A provação neste caso particular da perspectiva do Maligno teria como o seu objetivo nos induzir para ter o reino nos moldes deste mundo e perdê-lo nos moldes de Deus; pois isso é exatamente o que significou no caso do Senhor Jesus. Essa é a essência da pressão e assalto do inimigo, nos derrubar e fazer com que nos comprometamos com um caminho mais fácil, de forma a entrar na presente possessão de um reino à imagem do terreno e temporal, e perder a coisa grande que Deus reservou no céu para nós. Esse é o objetivo de todas as nossas tentações de Satanás, como com o Senhor Jesus, e foi porque o Senhor Jesus era capaz de ver através da estrategia e esforço do inimigo, e detectar aquilo do que ele estava atrás ao oferecer algo visível, algo tangível, algo presente, algo grande, à parte do sofrimento e sacrifício, e no lugar daquilo que era eterno nos céus, embora custoso pelo momento; foi porque o Senhor Jesus era capaz de detectar isto, e talvez foi porque temeu que a Sua Igreja não visse através da estrategia do inimigo que Ele disse à Igreja, "Orai assim: Não nos deixes cair na tentação, mas livra-nos do Maligno". Em outras palavras, Guarda-nos de cair numa armadilha para esta coisa sútil que, sob pressão intensa, nos afastaria do reino; invisível, celestial e eterno, para algo nos oferecido agora, aparentemente glorioso, contudo, na realidade, uma coisa que deve ficar sujeita ao juízo Divino e ser destruída e vir a ser uma substituição vazia pela coisa grande e gloriosa que Deus tem para os que O amam.

Agora, isso tem em si mesmo uma mensagem bem real para nós. Não tenho duvida de que isso vai direito ao âmago de todos nós, pois todos nós conhecemos esse tipo de pressão e tentação do inimigo. Sempre presente. Ah sim, e quando a adversidade é mais forte, o mal é mais intenso, o sofrimento mais aguçado e o caminho diante de nós, obviamente, o caminho da Cruz e da rejeição, de ostracismo e solidão, então a sugestão do inimigo, para nos desviar e ter algo aqui e agora, ganha tanto força como interesse. Se apenas abrirmos mão de algo e assumirmos um nível mais baixo, uma posição menos absoluta, nós poderemos ter algo; poderemos ter algo da glória deste mundo, poderemos ter um reino agora. Assim, ele está sempre procurando nos conduzir para uma posição na que, com esse dardo inflamado, ele pode nos abater e roubar do reino. O Senhor Jesus diz para os Seus, " Não temais, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino" (Lucas 12:32); mas Satanás está sempre procurando oferecer também um reino.

A Vocação da Igreja

Bem, isso é só um fragmento da mensagem nestas palavras. Sempre, ligado às declarações mais simples e curtas dos lábios do Senhor Jesus existe um significado Divino enorme, muito mais do que se encontra na face das coisas nas próprias palavras em si. Assim, aqui nestas palavras, dentre as palavras mais familiares em lábios cristãos, no que é chamado "a Oração do Pai nosso", temos algo de grande significado. Todavia, tem sido pouco reconhecido, mas pode ser destacado unindo estas passagens do capítulo 4 e capítulo 6 da maneira que fizemos. Para mim, diz tão claramente que o Senhor chama ao Seu povo para orar e assumir uma determinada posição na oração. Essa posição é estabelecida como uma posição a favor dos direitos de Deus contra argumentos contrários do adversário, os argumentos do adversário para o poder, a autoridade, para o direito de dar, e para a glória. Por um lado, ele se exibe como alguém que está numa posição, posição de grande autoridade e poder, e ele procura exibir o seu poder, nos conscientizar do seu poder em relação à sua posição, e isto, é claro, para a sua glória. Por outro lado, está Deus. Deus não está sempre se vangloriando, nem tornando a Sua autoridade e o Seu poder e a Sua glória em algo para Se exibir. Entre este dois lados permanece a Igreja - o povo de Deus permanece nessa lacuna - e esta oração coloca a Igreja numa posição paralela à do Senhor Jesus no deserto. Lá, por um lado, vemos Satanás se distinguindo e fazendo uma exibição da sua autoridade e o seu poder; isto é, dos seus direitos, do que ele pode fazer, do que ele tem capacidade para fazer; e do seu poder e da sua glória. Por outro lado, Deus! Mas onde está a exibição do poder de autoridade, glória? Está escondido, não está de modo algum manifesto. Dentre os dois lados, o Senhor Jesus está em pé como na lacuna e repudia isto que está se demonstrando, por aquilo que não é visível, que no momento não é manifesto, mas que para Ele é a coisa suprema, muito mais real do que isto e, mais ainda, eterno."Adorarás ao Senhor teu Deus e a ele somente servirás": Pois Teu, não dele, é o reino, e o poder, e a glória, para sempre.

A Natureza, Caráter e Custo Interno do Verdadeiro Testemunho

Mas isso supõe assumir uma posição enorme quando você está no deserto e não se tem rigorosamente nada para prová-la, e tudo do que você é ciente é do violento e encarniçado assalto do diabo em poder e ostentação. É algo que pertence a um relacionamento interno. Você percebe a importância disso? O ponto, amado, é que a Igreja é chamada para permanecer nessa lacuna e, para com a exibição ostensiva dos direitos, autoridade, poder e glória assumidos, manter uma posição de repúdio; mas para com essa realidade celestial, espiritual invisível, eterna do reino e o poder e a glória, não agora ostensivamente exibida, mas escondida, para permanecer como um testemunho. E quando você tiver afirmado isso, você terá resumido a vocação da Igreja. Nesta oração, o Senhor Jesus coloca a Igreja lá. Estas petições podem se tornar pessoais, mas lembre, o Senhor Jesus não disse, "Quando você orar, ore da seguinte maneira - 'Meu Pai'. Não, é "Pai Nosso". A mais profunda e íntima realidade acerca da Igreja é que é uma família, e isso significa que é a glória e poder e reino que se tornou o verdadeiro interesse da Igreja.

Este reino, este poder, esta glória, não é alguma coisa temporal. Isto é algo que é do nosso Pai, e nós temos um relacionamento interno, do coração com isto. Isso é o que quis dizer justamente agora quando disse que se trata de um relacionamento interno. Nosso Rei? Verdade, Ele é o nosso grande Potentado no alto. Sim, incontestável, mas não está assim apresentado aqui. "Pai Nosso": "Teu é o reino, e o poder, e a glória"; e o que está implícito é um repúdio de qualquer tipo e relacionamento com esse outro e tudo aquilo que pertence a ele.

Bem agora, tudo que tenho a dizer por agora está envolvido nisso. Qual é a vocação da Igreja? Ocupar a posição na qual é colocada pelo Senhor Jesus em oração; permanecer na lacuna para dar um testemunho, como contra tudo que é exibição e ostentação e demostração do Maligno, para o fato de que "Teu é o reino e o poder, e a glória". Isso não é um mero testemunho em palavras. Ó, se todas as pessoas que usam essas palavras tão frequentemente, talvez quase todos os dias das suas vidas, como uma formula, realmente entrassem no significado espiritual delas, que momento passariam! Que momento terrível passariam! Você sabe que é verdade que não podemos numa maneira espiritual realmente fazer uma declaração sem atrairmos algum desafio. Numa maneira formal, a partir de uma mera concepção mental ou aprendendo de cor, você pode dizer qualquer coisa, fazer de tudo, e não enfrentar nenhum desafio em absoluto. Mas entre no deserto no poder do Espírito Santo e diga algo, tocando forças principais, e então o seu testemunho - Teu é o reino! - se tornará cada vez mais severo, e haverão momentos em que, na face do inimigo se demonstrando ferozmente e furiosamente você ficará nos seus joelhos simplesmente lutando para manter essa posição - Teu é o reino! - apesar de tudo, Teu é o reino! Permanecer na batalha por algo. Teu é o poder! Tua é a glória! É para isso que estamos aqui, para manter essa posição para Deus. Essa questão está se tornando hoje muito real para muitos dos filhos do Senhor numa maneira externa, como também espiritualmente.

O Conflito para o Domínio Mundial

Agora, apenas considere estas palavras - reino, poder, glória. Elas representam duas histórias de eternidade a eternidade. Por um lado, Satanás procurando um reino, dominação mundial; exibindo poder, poder terrível. Veja isso hoje: poder terrível, poder impiedoso, poder alarmante, para esse fim - dominação mundial. Isso tem sido assim ao longo dos séculos, Satanás procurando construir seu reino, e em fazendo assim exibir o seu poder, e construir para si reputação, glória. Acaso não é isto refletido em alguns dos grandes episódios das Escrituras? Acaso não é o que é visto em Egito? Um reino, uma esfera de governo supremo na terra, poder, exibição de poder, glória, e tudo à custa do que era de Deus; pois a semente escolhida foi sujeita a esse poder nesse reino para se tornar o instrumento dessa glória. As pirâmides, de novo, um monumento permanente ao fato de que um grande poder mundial ou reino explorou algo que era de Deus para a sua própria glória. Pode ser referido o mesmo da Babilônia. "Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a morada real, pela força do meu poder, e para a glória da minha majestade?" disse Nabucodonozor, Daniel, interpretando o sonho, "a quem o Deus do céu tem dado o reino": mas esse reino, esse reino Gentio, foi tomado para a glória de um homem e não para a glória de Deus; e essa foi a interpretação do sonho. Nabucodonozor foi conduzido dentre os homens a ter a sua habitação com as bestas do campo, porque ele não deu a glória a Deus no seu reino, e quando ele retornou e recuperou seu entendimento, e andou de novo na Babilônia, a sua grande proclamação foi neste sentido: Este Deus do céu é o único Deus.

Assim poderíamos transmitir a história e vê-la repetidamente uma e outra vez. Mas hoje talvez o tenhamos mais manifesto do que nunca. Um reino, dominação mundial, uma exibição do poder terrível Satânico, tudo para a glória de Satanás no Anticristo consequentemente, de modo que ele, sentado no Templo de Deus, alega ser Deus, assumindo o lugar de Deus. Um reino, poder e glória no lugar de Deus.

Disse que hoje muitos dos filhos do Senhor estão mesmo contra esse problema numa maneira literal, como também espiritual. Até que ponto estão todos envolvidos na expressão externa e literal não sabemos, mas todos nós estamos envolvidos espiritualmente nisto. Estamos dentro de algo poderoso.

Há o outro lado - Seu Reino, Seu poder, a Sua glória. Mas o terreno da provação para nós é que Seu Reino agora não é um Reino para ser visto, Seu poder agora não é um poder que está sendo exibido externamente, a Sua glória agora é algo que está no coração num relacionamento espiritual e conhecimento Dele próprio. É o que Ele é, o que nós sabemos Ele ser. A Igreja tem de permanecer contra esse outro. Chega até nós nas nossas vidas todos os dias, nos é recalcado, e vai ser recalcado - para sermos capazes a toda hora de ficar sob provações intensas e dizer, "Teu é o reino". Pergunte aos seus amigos agora mesmo em determinadas partes da Europa se é fácil dizer isso mesmo na face do Senhor enquanto as quadrilhas da iniquidade avançam e fazem suas obras devastadoras e diabólicas, e parece que se enfrentam com um poder tão pequeno para resisti-los ou repeli-los, e sem nenhuma exibição do céu. Parece que eles estão fazendo como eles querem. Então pergunte a estes filhos de Deus se é fácil dizer após tudo, Mesmo assim, Teu é o reino, e Teu é o poder, e Tua é a glória! É uma questão viva. Pressiona sobre a fé. É aí onde estamos. Essa é a nossa vocação, que nos celestiais numa maneira espiritual nós permaneçamos ao lado Deus na brecha e mantenhamos em espírito e em fé esse testemunho.

Uma Palavra Final sobre Tentação e Vocação

Fujamos de todos os elementos românticos, (se de fato houverem), de uma grande situação mundial, e vejamos que isto se resume a nossas próprias vidas pessoais. É a questão suprema em toda a nossa provação pessoal, nos nossos sofrimentos, nossas aflições, e tudo que enfrentamos às mãos do inimigo. Está por trás de todas as nossas tentações; pois todas as tentações são uma em essência. O único objetivo delas todas é nos forçar, seduzir, largar o celestial por algo que pode ser tido aqui e agora. Toda provação têm isso no seu cerne. Você sabe muito bem que no lugar secreto, sob provação e dificuldade e adversidade, é sempre esta questão que está a surgir - 'Deve ser assim? É necessário que seja desta maneira? Não estamos sendo tão absolutos, tão celestiais? Poderia não existir algo de verdadeiro lucro se somente nos comprometêssemos (nós nunca usaríamos a palavra)?' Sim, isso é o que significa; esquecer um pouco, abrandar um pouco, descer um pouco. De uma forma ou outra, esse é o cerne de todas as nossas tentações, e a questão que surge é se estamos defendendo os direitos de Deus ou algo que virá para nós mesmos.

Agora, você obteve o cerne disso, desta tentação do Senhor Jesus no deserto? A fim de defender firmemente os direitos do Pai até o desenlace glorioso, Ele tinha que persistentemente se recusar a ouvir as sugestões que Lhe trariam vantagem, que Lhe tirariam de uma dificuldade, que Lhe tornariam o caminho mais fácil. Lhe mostrando todos os reinos do mundo num momento, o Diabo disse, "Todo este poder te darei e a glória deles..." O Senhor Jesus se recusou. "Teu é o reino"! Se formos para Daniel, nós encontramos a mesma declaração: "O reino é do Senhor! Ele dá o reino a quem Ele quiser. Ele dará o reino aos santos'. Nós esperaremos por isso, nós representaremos isso, e repudiaremos o outro. Qualquer coisa que Satanás nos puder dar seria de fato um substituto muito pobre.

Me pergunto se você enxerga o ponto desta palavra. É simplesmente uma coisa. A Igreja está aqui, pelo Senhor Jesus, colocada numa posição. É uma posição de oração, e o sinal disso é completamente desenvolvido em Efésios 6, o conflito com principados e potestades, dominadores do mundo destas trevas, hostes espirituais da maldade nos celestiais; e nós somos ordenados a orar lá com toda súplica. A Igreja é para funcionar em oração contra uma assunção, contra uma demonstração, contra uma alegação, contra uma ostentação, contra uma presunção da parte do Maligno, tudo isso para nos arrastar para o seu domínio e sujeitar ao seu poder, e nos usar para a sua glória. Para resistir isso, para fazer frente a isso, para ficar fora disso, tudo pelos direitos de Deus, esse é o assunto da Igreja. Teu é o reino: Teu é o poder: Tua é a glória, para todo o sempre! Esse é o nosso chamado, essa é a nossa vocação. Existe muito mais nisso, mas é aí onde a coisa começa, onde o Senhor Jesus coloca o Seu povo com esta oração como em testemunho pelos direitos de Deus, contra aquele que nega esses direitos do Senhor e se apropria deles. O Senhor nos fortaleça nisto.

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