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Ascendência Espiritual

por T. Austin-Sparks

Capítulo 6 - A santidade no Monte Sião

Leitura: Sl 24:3; Ap 14:1-5

Temos meditado no assunto que denominamos “ascendência espiritual”. “Quem subirá…?” O que isso significa? Em que sentido isso nos diz respeito? A Palavra de Deus, do início ao fim, demonstra a necessidade de uma ascendência interior e espiritual por parte do povo de Deus, indicando uma constante necessidade de superação, pois não teria sentido ascender se não houvesse nada a vencer, nenhum desafio a superar.

Não acredito que seja necessário indicar que existem muitas coisas que demandam ascendência absoluta em nossos espíritos e corações. Reaprendemos, a cada hora, que somos insistentemente pressionados para baixo nessa grandiosa esfera onde vivemos. Se não soubermos como superar essa pressão e ascender, permaneceremos subjugados. Acredito que isso é patente para todos nós.

Ascendência sobre o inimigo

Quando começamos a definir e discriminar essas coisas, encontramos três aspectos importantes. Em primeiro lugar, existe um grande reino de forças espirituais posicionadas para nos derrubar, procurando por qualquer meio possível nos colocar para baixo, nos subjugar. Isso é uma realidade e certamente não temos dúvidas a esse respeito.

Ascendência sobre nossas próprias almas

O segundo aspecto é que existe algo em nossa constituição que dá a essa esfera tão espiritualmente antagônica a nós uma oportunidade de nos abater. Em nosso estado atual, de humanidade, existe algo no nosso interior que constitui num ponto de apoio, uma base e uma resposta a esse grande sistema maligno em nosso exterior. A tentação não tem sentido, a menos que haja algo em nós que possa responder positivamente a ela. Sabemos que não se trata apenas de uma luta objetiva, mas é também um combate subjetivo. Todo este assunto atua no interior e no exterior. Enquanto não tivermos lidado com o interior, não teremos chance de enfrentar o exterior.

Poder com Deus

Então, a Palavra de Deus nos indica um terceiro aspecto. Tudo está relacionado a uma questão de ascendência com Deus, ou, colocando em outras palavras, poder com Deus, capacidade de permanecer com Ele. Nessa posição desfrutaremos do poder, apoio e recursos Divinos. Esse é um fator grandioso, pois, sem esse aspecto, não teremos esperança de obter ascendência nas duas outras esferas.

Não poderemos enfrentar o grande inimigo no nosso exterior, nem ter qualquer garantia de vitória em nosso interior, a menos que tenhamos absoluta consciência que estamos bem com Deus, e que não há sombra em Sua face no que diz respeito a nós. Sobre esse base, seremos príncipes com Deus, poderemos prevalecer com Ele em oração. (Não digo prevalecer sobre Deus em oração, que é uma coisa totalmente diferente. Não temos que prevalecer sobre Deus, mas prevalecer com Deus; ou seja, devemos entrar em uma unidade tão plena com Ele, ao ponto de não ser necessário que Ele tenha reservas conosco, Ele pode ficar livre. Prevalecer sobre Deus equivaleria a mudá-Lo. Não pretendemos fazer isso, mas devemos conceder ao Deus Imutável - se é que posso colocar desta forma - uma posição em Seu relacionamento conosco onde Ele possa liberar Seu poder. Essa é apenas uma pequena diferença, a propósito).

Prevalecer com Deus em oração não é uma questão de pequeno valor, é um fator impressionante. Este é o poder de Deus e, só contando com ele teremos poder com os homens, sobre o inimigo e sobre nossas próprias almas. Vale lembrar como nossas almas se interpõem ao nosso progresso espiritual! Então ascendência espiritual significa chegar a um ponto onde realmente dominamos a situação.

Para que você não desanime aqui, deixe-me dizer novamente que isso não é algo que acontece instantaneamente, em um momento. Chegar a Sião é uma jornada, como já mencionamos, mas é uma jornada ascendente, progressiva.

Sião, o lugar do poder espiritual

Sião, então, equivale a um lugar de poder espiritual. Como já indicamos, Sião representa uma fortaleza e foi o auge das conquistas no Antigo Testamento. Aquela cidade foi única coisa que permaneceu para sempre como um testemunho da realeza que atingiu seu ponto mais elevado de realização na pessoa de Davi. Assim Sião ficou conhecida, como a cidade de Davi. Esse não é um mero título: indica conquista, triunfo, é a última palavra em termos de ascendência.

Então, Sião indica que estamos acima, no topo, que conquistamos. Essa cidade é superior a todos os outros lugares, no sentido espiritual. Assim, Sião se torna no símbolo da vida do povo do Senhor quando estão posicionados debaixo de Seu senhorio ou Seu poder. Seria a própria personificação do sentido do reino de Deus.

Devemos nos lembrar que somos introduzidos no reino de Deus por meio do novo nascimento: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” (Jo 3:3). Entretanto, o reino de Deus também está dentro de nós (Lc 17:21). As duas afirmações são verdadeiras.

Você recebe essa posição por nascimento, mas o Reino precisa estar em você. O Reino não se trata apenas de uma esfera onde Deus reina. É uma forma, uma natureza, uma espécie de reino que sobrepuja qualquer outra autoridade e poder. “O seu reino será reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe obedecerão” (Dn 7:27). Esse reino é em primeiro lugar algo espiritual. As pessoas falam sobre o reino de Deus com base em perspectivas terrenas, como podemos “estender o Reino”. A ideia seria que estamos edificando algo sobre uma ampla área geográfica, enquanto o Reino significa muito mais do que isso. O reino de Deus é algo profundo, poderoso, é “um reino inabalável” (Hb 12:28). Bem, Sião, em sua representação de ascensão por meio da vitória, se torna em um símile de poder espiritual.

Santidade, algo básico para obter o Poder Espiritual

Onde que repousa o poder espiritual? Sobre o que se apoia esse poder com Deus, poder de Deus em nossas vidas e neste mundo, capacitando-nos para vencer? Quem deve subir? “O que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente” (Sl 24:4). “Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião.” (Sl 2:6). A questão do poder espiritual reside nessa questão da santidade, desde sua raiz e do seu fundamento. Muitos acreditam que o poder espiritual é uma questão de revestimento. Alguns dizem que receber um "batismo" do Espírito Santo é o caminho do poder, como algo que acontece com você. Deixe-me salientar que isso diz respeito ao poder para testemunhar. “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas” (At 1:8).

Mas o poder sobre a força do inimigo deriva simplesmente do fato do Espírito Santo estar posicionado em absoluta ascendência como Senhor, tornando o testemunho e poder da Igreja efetivos, desde seu início. É por isso que, quando encontramos algo profano surgindo no meio da Igreja em Atos, logo vemos uma ação instantânea de julgamento da parte do Espírito. Podemos nos lembrar dos casos de Ananias e Safira, entre outros.

Isso descortina uma longa história, e percebemos imediatamente que o único meio e método que o nosso grande inimigo pôde usar para destruir o poder dispensado pelo Senhor foi por meio de corrupção, por meio de algo profano. Essa é a história do homem. “Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste” (Sl 8:6). Mas esse propósito foi definitivamente contrariado em toda a raça por meio do movimento sutil do inimigo ao introduzir algo impuro, profano. Foi isso que aconteceu. O inimigo não veio com um exército, avançando contra o homem de forma clara e objetiva. Ele simplesmente insinuou algo profano, e isso o levou a alcançar seu objetivo, todo o reino desabou. Isso tem ocorrido do início ao fim.

A mesma coisa aconteceu na história de Israel. O propósito do Senhor para Israel, como vimos, era que eles estivessem acima de todas as nações da terra, fossem a cabeça, não a cauda. Então, os midianitas buscaram Balaão para amaldiçoá-los. Não foi possível a Balaão amaldiçoar pessoas santas, e apesar de ter o desejo de fazê-lo, Balaão teve seus lábios tomados por Deus, proferindo palavras gloriosas a respeito de Israel. “Não viu iniquidade em Jacó, nem contemplou desventura em Israel” (Nm 23:21). “Como posso amaldiçoar a quem Deus não amaldiçoou?” [vs 8]. Balaão estava impotente diante daquela situação! Ele se foi e retornou uma segunda vez para tentar derrotar aquelas pessoas, para derrubá-los de sua excelência.

Sugiro que você leia novamente esse texto, veja as três visitas de Balaão, e contemple todas as coisas magníficas que ele disse a respeito de Israel. Ele os descreve do ponto de vista de Deus. Depois de três tentativas, precisou desistir. Na verdade, é como se ele afirmasse: ‘Isso não funciona, pessoas assim não podem ser paralisadas por meio de uma maldição, não podem ser derrotadas.’ Mas, então, ele se vendeu, e de alguma forma sua alma foi enredada pelos grilhões da cobiça. Aquilo que não pôde fazer diretamente por meio da maldição, Satanás o levou a fazer usando um método indireto.

Precisamos das palavras de Miquéias a respeito de Balaão (Mq 6:5), e então devemos ler o texto de Apocalipse: “Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (Ap 2:14). Balaão foi até a porta dos fundos introduzindo algo impuro - a idolatria – no meio de Israel, e eles desceram nessa direção.

Quão terrível foi a tragédia da queda daquele povo glorioso! Eles não caíram de uma posição alcançada por seus próprios méritos, eles não haviam sido constituídos nessa posição originalmente, mas foram estabelecidos ali por Deus através da fé nEle. Essa é uma representação de nossa posição abençoada em Cristo. Não era literalmente verdadeiro afirmar que em Israel não havia iniquidade, pecado ou erro. Foi assim que Deus olhou para eles enquanto estavam ali, ao redor do tabernáculo, em plena obediência ao Senhor. Deus olhou para eles, por assim dizer, posicionalmente em Cristo.

Mas então a idolatria foi introduzida. Essa história se repete, tanto de maneira geral como de forma pessoal. É assim que Satanás obtém ascendência, esse é o terreno do seu poder. Sua base sempre será algo profano.

Não seria essa a história de Jó, se olharmos por um certo um ângulo? Jó, com base na justiça que é por obras, atos, no sentido exterior - da lei - era considerado inculpável. Com base nisso, então, Satanás foi liberado para atacar, e debaixo dessa investida, encontramos coisas vindo à tona em Jó, que ele jamais teria suspeitado. Ninguém acreditaria que essas coisas estavam dentro de Jó, e Satanás encontrou uma boa dose de poder, de terreno, para sacudi-lo até seus próprios alicerces, até que Jó mudou de posição.

Ele não mais se posicionou de acordo com a justiça que é baseada na lei - obras, atos, externalidades - mas numa posição de justiça pela fé, onde, no que diz respeito a si mesmo, ele não mais se referia às suas boas ações, ao reconhecimento público de sua generosidade e bondade. ‘Agora’, disse ele, ‘aprendi algo’. “Agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:5,6).

Quando ele chegou a esse ponto e se entregou ao Senhor, o poder de Satanás foi tirado imediatamente. Você percebe que existe um certo estágio durante esse conflito, quando Satanás sai de cena? Satanás está muito em evidência no início da história de Jó, mas onde estava ele no final? O que aconteceu com ele? Você não pode mais encontrá-lo. Uma obra foi realizada dentro de Jó que tirou o terreno de Satanás, obrigando-o a se retirar. Finalmente, o homem está posicionado em ascendência absoluta - sobre os amigos, as circunstâncias, sobre ele mesmo e sobre o diabo.

Um novo terreno foi encontrado, não mais com base de sua própria justiça, mas na base da justiça de outro. Descobriremos imediatamente, à medida que essa questão se desenrola, que Jó estava clamando por outra pessoa - por um mediador, um advogado, e o único que atende a sua necessidade é o Senhor Jesus. Você vê isso repetidamente no livro. Seu clamor é pela interposição desse mediador. Falando tipologicamente, Jó passa de sua própria base para a base de Cristo. Isso é ascendência de fato, o inimigo é expulso do tribunal.

Mais adiante na história de Israel e dos profetas chegamos ao terceiro capítulo de Zacarias. “Deus me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor” [Zc 3:1]. Vemos Satanás ocupando o lugar de poder, impondo uma resistência. Josué representa Israel e naquela visão temos vestes sujas, indicando a condição impura de Israel diante de Deus, resultando na sua total impotência diante da presença do inimigo. Essa fraqueza e impotência são devidas à impureza. Mas vemos que não foram apenas retiradas as vestes imundas de Josué, mas também lhe foram concedidos finos trajes e um turbante limpo foi posto sobre sua cabeça. A palavra é: “O Senhor te repreende, ó Satanás... não é este um tição tirado do fogo?” [vs 2]. Satanás é repreendido tão logo a condição de Josué é transformada. Em outras palavras, o poder de Satanás é sempre estabelecido onde existe iniquidade. A ascendência sobre Satanás não é algo objetivo: se relaciona com nossa condição.

Descobrimos que tudo girava em torno dos sacerdotes na história de Israel. Como está o sacerdote? Isso indicava o estado das pessoas. Veja a situação nos dias de Eli. Como estava o sacerdócio? Veja os filhos de Eli. O sacerdócio estava corrompido, havia grande impureza. Como estava Israel? Totalmente derrotado, capturado. Vemos uma imagem deplorável de um povo rebaixado de sua excelência aos níveis mais baixos de derrota, desamparo e miséria. O sacerdócio era a chave para a situação: como vimos no caso do sacerdote Josué em Zacarias, também ocorreu nos dias do sacerdócio de Eli.

O que o sacerdócio indica? Qual é o seu sentido espiritual? O sacerdócio envolve a remoção do pecado, da corrupção. Esse é o segredo da vida. O sacerdote representa a vida do povo de Deus. Mas não há vida onde há corrupção, e não temos poder de Deus na presença da iniquidade.

Podemos seguir direto ao Novo Testamento, para as cartas às igrejas na Ásia. Vemos o mesmo problema se repetindo. “Eu tenho isto contra ti: isso, aquilo e aquilo outro”. Qual foi o efeito disso na vida deles? Eles estavam desamparados, impotentes, derrotados. A palavra mais usada nesse contexto das igrejas da Ásia se relaciona com “vencer”. Somos fortalecidos pelas palavras: “Ao vencedor”. É como se o Senhor nos dissesse: ‘Você está subjugado, por baixo, precisa superar, mas não pode assumir esta posição de forma oficial e mecânica: precisa enfrentar essas coisas’.

Já deixei bem claro qual é o verdadeiro fundamento do poder espiritual, poder com Deus, poder sobre o inimigo. Isso será de grande ajuda para cada um de nós.

A impureza dos interesses pessoais

Todos nós passamos por isso em nossa experiência espiritual! Como o inimigo é persistente em suas tentativas de nos envolver, de alguma forma, em algo questionável! Temos uma frase extraordinária usada em relação à vida de Israel, que não é nada fácil de compreender em seu pleno sentido. Me refiro a seguinte frase: “a iniquidade concernente às coisas santas” (Êx 28:38). O que isso significa? Vou apenas sugerir a você que, no sentido mais pleno, significa que existem coisas santas, e é exatamente na esfera das coisas sagradas que o inimigo está sempre atuando na tentativa de obter alguma concessão de nossa parte.

Amor, o verdadeiro amor, é a coisa mais santa, e é na esfera do amor que o inimigo está sempre tentando trazer algo comprometedor, errado. Já mencionamos que não há nada errado com a ambição, de fato, pois ela é uma coisa divinamente implantada em nossa constituição. Deus criou o homem para ter domínio. Talvez ambição não seja a palavra ideal; aspiração seria uma palavra mais espiritual, traduzindo o desejo, a sensação de destino, de que fomos feito para sermos elevados, para alcançar algo. Não fomos feitos como vermes rastejando na terra: fomos criados com pernas, significando que devemos chegar a algum lugar. Interpretando isso espiritual e moralmente, Deus nos criou para subir, alcançar, realizar. Esse poderoso instinto é encontrado no apóstolo: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo...” (Fp 3:12). Aqui vemos isso em ação, esse anseio. A aspiração é algo sagrado. Mas não seria exatamente nesse ponto que se encontra toda a iniquidade? O elemento do ego, possessivo, aquisitivo, assertivo, dominador, um esforço para ganhar domínio. Então, esse domínio se transforma em dominação, e tudo mais vai por água abaixo: o próprio espírito da aspiração se foi. A mansidão se torna em orgulho, a glória de Deus é transtornada para a nossa glória. Essa seria a iniquidade das coisas sagradas, e devemos nos lembrar que quanto mais perto nos achegarmos do santo dos santos, mais nos aproximaremos dos perigos mais profundos. As coisas profundas de Satanás estão próximas às coisas profundas de Deus. “A iniquidade concernente às coisas santas.”

O Senhor concede Seu dom e é algo santo, então o inimigo procura arruiná-lo trazendo à luz algo que não é sagrado. O Senhor sempre precisou executar um trabalho de separação. Ele deu Isaque a Abraão, um dom sagrado, um dom de Deus, originado dEle, puro. Foi o maior presente de Deus, em princípio. Então, o Senhor precisou dizer a Abraão: ‘Ofereça-o!’ O que aconteceu? Abraão estava correndo perigo, o infinito risco da iniquidade em uma coisa sagrada. O que isso quer dizer? Guardar o dom para si mesmo, sendo incapaz de entregá-lo. O domínio do ego pode arruinar aquilo que é santo. Quando Abraão resistiu ao ego sem hesitação e pela fé respondeu a Deus entregando o menino, Isaque lhe foi devolvido mil vezes, para todo o sempre, em uma base santa. Não pode haver fundamento para o ego. Que momento perigoso foi para Abraão, quando suas afeições pessoais estavam prestes a interferir em sua entrega absoluta para Deus! Somos continuamente confrontados e atacados por isso. Coisas santas, mas que colidem com nossos interesses pessoais. Então as coisas santas perdem seu poder. Poderíamos mencionar diversos exemplos de coisas santas que podem ser de extremo valor, mas podem ser desprovidas disso porque algo profano entra em cena.

A contaminação do toque terreno

Deixe-me reiterar que algo profano não precisa ser necessariamente algo que todo o mundo denominaria mau. Quando falamos sobre impiedade, nossos pensamentos se dirigem a certas coisas que consideramos impuras, corruptas e más. Mas estou me referindo a algo muito mais profundo do que isso. A profanação pode vir ser originada por aquilo que chamamos anteriormente de toque terreno. Vivemos em um mundo e uma terra amaldiçoados. Tudo nesta criação está debaixo de uma maldição. Isso está se tornando cada vez mais evidente; pois quanto mais alto o homem se eleva, mais rápido ele se autodestrói com sua obra. Ele não consegue vencer o poder da morte e do mal de seu mundo, por mais alto que seja elevado. Quanto mais ele avança, mais o poder do mal e da morte atuam sobre ele. É uma coisa tão vã e falsa falar sobre um "novo mundo", uma "nova ordem", enquanto a própria natureza do homem não for mudada. Vivemos em um mundo e uma criação que estão nas mãos do príncipe deste mundo; não há dúvidas sobre isso. Se você vive no seu mundo, ele o tem em suas mãos. Passe do reino do Filho de Deus para o reino do inimigo e você saberá que tocou na morte, e percebemos isso de muitas maneiras. Quanto mais avançamos com o Senhor, mais descobrimos que não ousamos tocar nessa outra esfera. O que podíamos tocar como cristãos em uma época, não mais podemos tocar agora. Nós estamos aprendendo. Poderíamos falar de uma maneira que não podemos hoje. Aprendemos de uma maneira muito severa que outros podem, mas nós não. À medida que você avança em uma determinada esfera, se tornando cada vez mais limitado na outra.

Essa é a dificuldade de seguir com o Senhor, sendo parte do grupo dos “cento e quarenta e quatro mil”. Existirá um certo isolamento. Seguimos com o Senhor: “São os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá”, e percebemos que ninguém mais o faz, ficamos muito solitários, isso é solidão espiritual. Estamos neste mundo e se o tocarmos voluntariamente, ficaremos contaminados. Não estou dizendo que devemos abandonar nossos negócios. Como Paulo diz, se não vamos ter nada a ver com este mundo de maneira prática, seria melhor sairmos imediatamente dele (1Co 5:10). Esse não é o ponto. A questão é sobre nossos vínculos morais e espirituais voluntários, nossas escolhas. Nossas obrigações comerciais não devem nos envolver, mas nossas associações de coração - o tipo de coisas que desejamos, gostamos, escolhemos. Essas coisas trazem consigo um toque mortal e nos aprisionam. Descobrimos que perdemos nossa posição, nosso poder espiritual, nossa ascendência ao tocá-las, seja o que for que isso signifique: nossa alegria, paz, descanso. Tocamos uma esfera de morte em algum lugar no nosso espírito. É uma coisa terrível quando o espírito toca a morte - e isso é iniquidade; assim tocamos na iniquidade.
Portanto, o Senhor precisa fazer esta obra da Cruz em nós. Não adianta dizer: não nos traga ao Jordão! O Jordão precisa fazer sua obra continuamente, cortar fundo.
Deixe-me dizer aqui, para o bem dos servos do Senhor em particular, que essa é a esfera principal de nossa educação espiritual. Nós, como servos do Senhor que têm responsabilidade nas coisas de Deus, enfrentamos o tempo todo essa questão do poder espiritual. Encontramos o inimigo tão entrincheirado, mantendo firme o seu terreno. Ele não cede em muitas questões, e tudo se relaciona a poder: poder com Deus e poder sobre o inimigo. Por favor, ouça isso mais uma vez. Nem sempre precisaremos lidar com questões que evidenciam algo claramente mau, como ocorreu entre os Coríntios: pecado moral grosseiro, injustiça na vida doméstica e social dos santos, negócios duvidosos, e assim por diante. É claro que onde encontramos essas questões, teremos impedimento, elas devem ser tratadas. Mas, à medida que avançamos, descobrimos que o progresso espiritual no sentido do verdadeiro aumento, ascendência espiritual, não é apenas uma questão de lidar com aquilo que as pessoas denominam males e iniquidades, mas pode envolver apenas um toque terreno. É como se algo fosse terreno em seus horizontes, perspectivas. Descemos à terra quanto tudo se resume no sucesso de nossa obra aos olhos dos homens, quando nos encontramos envolvidos em algo que é para o Senhor, mas também envolve interesses terrenos. Existe um princípio mundano operando ali.
É somente quando chegamos a uma posição completamente celestial que nossa posição será verdadeira, quando todas as considerações terrenas e naturais forem deixadas de lado e nada mais importar para nós, se o Senhor estiver sendo glorificado. O que importa se todos nos deixarem e forem para outros lugares, desde que estejam buscando o Senhor? Não importa para mim se todos vocês se levantarem e partirem, sem nunca mais retornar, desde que tenham encontrado mais de Cristo em outro lugar. Se o fizerem, estarei logo atrás de vocês para desfrutar também! Se você encontrou algo mais de Cristo, isso é tudo que importa. Será que essa é uma verdade para o Cristianismo organizado de hoje? O que dizer da acusação de roubo de ovelhas? Qual a base disso? Nosso aprisco, não o aprisco do Senhor: nosso povo, nossos obreiros, tirados de nós. É algonosso! Se todos apenas tivessem essa atitude: "Se esses irmãos puderem encontrar mais do Senhor em outro lugar, que possam ir o mais rápido possível: estamos preparados para que toda a nossa organização chegue ao fim se não pudermos ser canais para atender às necessidades dessas pessoas, bem, o Senhor nos livre de tentar realizar algo que não proporcione um verdadeiro ganho espiritual”. Uma posição totalmente desligada de interesses ou considerações pessoais é o único lugar de poder espiritual. Isso é ascendência, é algo celestial. Isso é muito real, e repito que essa é a esfera de nossa educação como servos do Senhor. Se estivermos caminhando com direção à plenitude, aprenderemos ao longo do caminho que não poderemos tocar essa esfera, descobriremos o que o Senhor não vai permitir. Ele permitirá e abençoará até aquele ponto, mas além dali algo mais precisará ser feito, ainda que a questão não envolva algo de diretamente pecaminoso, dentro da consideração humana, mas se apenas estiver relacionada a algum toque terreno, mesmo que nunca tenhamos percebido ser derivado da velha criação. Portanto, a questão da ascendência espiritual torna-se em algo muito prático.

Incentivo à Perseverança

Não posso fechar sem acrescentar isso para que ninguém fique oprimido, pois esta questão tem dois lados. Vimos que quando Israel se espalhou no vale e Balaão olhou para baixo do monte, ele trouxe as seguintes palavras a respeito da atitude do Senhor para com seu povo, uma vez que ali eles estavam centrados em Seu Filho. Nossa posição em Cristo pela graça redentora é tão completa e perfeita que nunca, nunca nada poderá ser acrescido a ela, ela é perfeita. O apóstolo começa sua carta aos coríntios dizendo: “santificados em Cristo Jesus, chamados santos”, esses que sempre são vistos por nós como os mais pobres espécimes de cristãos do Novo Testamento, considerando os tipos de problemas que ali ocorriam. Paulo não disse: “chamados para ser santos”, a palavra “ser” não consta do texto original, e ela atrapalha totalmente na nossa compreensão da ideia. “Chamados santos” . Quando vocês são chamados de santos, são considerados santos. “Santificado em Cristo Jesus”. No que diz respeito à nossa posição em Cristo, nunca seremos mais santos do que nos tornamos no início. Entretanto, ninguém vai se estabelecer com base nesse argumento e dizer que nada mais importa. Devemos a partir disso andar de acordo com nosso chamado; a batalha começou, o inimigo está tentando nos tirar de nossa posição em Cristo, para torná-la falsa. É exatamente aí que o grande poder do Espírito Santo entra em cena para nos educar e disciplinar. Sim, passamos por experiências que, se não fosse pelas poderosas reações do Espírito Santo em nós, a misericórdia e a graça de Deus, nos destruiriam como servos do Senhor, nos roubariam todo o nosso poder, porque são posições comprometedoras. Mas, enquanto nossos corações estiverem realmente voltados para o Senhor, o Espírito segue com Sua obra, e nos traz interiormente à posição onde somos aquilo que devemos ser em Cristo. Estamos em Sião, estamos nessa posição e, ainda assim, estamos a caminho de lá.

Não desanime se o caminho parecer difícil. É um caminho ascendente, e isso significa que devemos superar desafios a cada passo. Só precisaremos dar um passo de cada vez. Se olharmos para o cume no início, podemos ficar desanimados. Se nossos pés estão no caminho para Sião, vamos dar o próximo passo. E não se esqueçam, jovens, que nesse caminho o primeiro vento geralmente é o nosso zelo, e o poder para prosseguir só vem quando o primeiro vento acaba. O poder de Deus realmente entra em cena quando nosso primeiro vento chega ao fim. Quero dizer que quando chegamos ao ponto onde afirmamos: “Não posso ir mais longe; a menos que algo aconteça, não conseguirei prosseguir”. O que alguns de nós provamos nos estágios posteriores desse caminho para Sião é que o poder de Deus para nos manter em movimento é totalmente independente de nosso entusiasmo. A maravilha é que, de fato, prosseguimos. Não o fizemos porque estávamos muito entusiasmados. Tudo isso há muito tempo minguou e secou. Agora somos conduzidos por algo muito maior do que entusiasmo; não é nada menos que o poder de Sua ressurreição. Esse é o poder que opera em nós mencionado pelo apóstolo, quando diz: “Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Ef 3:20).

Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.