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Cristo, Nosso Tudo (1935)

por T. Austin-Sparks

Capítulo 8 - "A minha paz vos dou"

“…Achareis descanso para a vossa alma." (Mateus 11:29-30)

"...A verdade vos libertará... Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." (João 8:32,36)

"Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou." (João 14:27)

“Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim ..." (João 16:33)

"Paz seja convosco." (João 20:19,21,26)


Essas passagens nos dão a chave para outra característica dos recursos de Jesus Cristo, a saber, um descanso e liberdade secretos. A vida de nosso Senhor Jesus foi marcada por uma paz de espírito e um verdadeiro descanso de coração. Não há dúvida sobre isso, embora houvesse muita coisa para agitar Sua vida. Muitas vezes Ele estava em tempestades, mas muito raramente as tempestades estavam nEle. As exigências sobre Ele eram grandes. Havia muito a ser feito. Mas Ele nunca ficava sobrecarregado, angustiado. Ele passou por tudo isso em paz e descanso de coração. Alguém observou, com razão, que não temos registro nas Escrituras do Senhor Jesus correndo. Ele nunca foi surpreendido pela falta de tempo. Toda a Sua vida foi marcada por descanso e paz interior.

Se estudarmos este assunto, veremos que o Senhor Jesus desfrutou desse descanso e paz em três esferas. Nessas três esferas, Ele era diferente de todos os homens. 

Primeiramente, no âmbito do pecado pessoal, Ele teve perfeito descanso. Nunca foi afligido pela questão do pecado. Sua paz nunca foi perturbada pelo pecado interior. Nele, não havia pecado. Muitas vezes Ele foi pressionado a tomar o caminho errado, mas nunca cedeu à tentação. E como Ele era capaz de sofrer, foi tentado a poupar-se. Essa tentação veio um dia por meio de Pedro – uma tentativa de desviá-Lo do caminho da cruz – quando Seu discípulo Lhe disse: “Tem compaixão de Ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá!" [Mt 16:22]. Por ser capaz de sofrer, Ele podia ser tentado pelo inimigo. Era uma tentação exterior. Mas isso não podia perturbar Sua paz interior, porque Ele estava entregue à vontade de Seu Pai. Sua lealdade ao Pai frustrou as tentações. O segredo de Sua paz era Sua união com o Pai.

Havia também o âmbito de Seu próprio ser e natureza. Cristo era uma personalidade coesa. Sua alma era íntegra, Sua mente era focada. Não havia nEle raciocínios dúbios e conflituosos. Não havia conflito entre Sua razão e a de Seu Pai. Seu coração também era indiviso. Ele não tinha dois desejos guerreando entre si. Novamente, Sua vontade era singular e firme. Não havia conflito entre Sua vontade e a vontade do Pai.

Todas as tentações pelas quais Ele passou foram para provocá-Lo a se afastar de Seu Pai; a ter desejos, raciocínios, volições que não provinham inteiramente de Seu Pai. Mas tal atitude estava fora de questão para Ele. Não havia o menor desvio da vontade de Seu Pai. Por trás de tudo isso, havia uma fé perfeita em Seu Pai e na Sua fidelidade. Quando Ele sofreu, foi de acordo com a vontade de Deus, e não porque estivesse em conflito com a Sua própria vontade. O sofrimento O marcou, mas nunca O distraiu. Não havia tensão, nenhuma controvérsia interior com Deus em Sua vida. Ele era perfeitamente tranquilo e harmonioso — uma personalidade única.

Grande parte da falta de paz em nossas vidas advém da nossa falta de unidade. Estamos em conflito com o nosso próprio raciocínio, nossos desejos e a nossa vontade. Estamos divididos em duas direções, perturbados por coisas que guerreiam dentro de nós. Muitas vezes somos como duas pessoas lutando entre si, em estado de inquietação. O mesmo ocorre em nosso relacionamento com Deus. Nossos pensamentos e desejos estão em conflito com os pensamentos e desejos de Deus. Quão diferente foi no caso do Senhor Jesus! Ele conhecia o significado de uma paz interior.

O terceiro âmbito em que o Senhor Jesus desfrutou de perfeito descanso e liberdade foi a esfera das obrigações legais. A lei, com seus "farás" e "não farás", e as inúmeras coisas a serem feitas e proibidas, todos os regulamentos e observâncias da lei mosaica, era um grande fardo para o povo judeu. Ofender um ponto dela equivalia ser culpado de todos. Depois, havia a interpretação e aplicação da lei pelos escribas e fariseus, aos quais o Senhor Jesus disse: "Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens” [Mt 23:4].

Nesse âmbito, o Senhor Jesus estava em perfeito repouso. Nunca foi preso à lei. Ele vivia no cumprimento da lei com tanta segurança e certeza como ninguém mais viveu. Por que a lei foi dada? Com que propósito? Era para um único propósito: assegurar o lugar de Deus e os direitos de Deus. Ora, o ponto principal da lei era contra a idolatria. A idolatria é muito abrangente. É seguinto essa linha que o diabo busca, para atingir seus objetivos, roubar a Deus do Seu lugar. Cobiça é idolatria, isto é, desejar as coisas para si mesmo. Irreverência é idolatria; a adoração é tirada de Deus. A luxúria, a gratificação da carne, é tomar o lugar de Deus. Existem muitas formas de idolatria. Se você observar os "farás" e "não farás", verá que cada um deles tem a ver com idolatria. É tomar o lugar e os direitos de Deus.

Deus tinha Seu lugar perfeito e Seus direitos garantidos no Senhor Jesus. Ele não precisava da lei porque a cumpria perfeitamente em espírito. Ele estava liberto da lei das obras por uma lei superior. Seu coração estava perfeitamente em paz em relação às obrigações legais. Nele, a lei estava estabelecida em seu significado mais profundo. O lugar e os direitos de Deus estavam plenamente assegurados em Cristo.

Na carta aos Hebreus, lemos muito sobre descanso. É o descanso em Cristo. O descanso dEle tem que ser o nosso descanso. Não vou tentar dizer que devemos ser impecavelmente perfeitos, ou que nunca mais poderemos pecar. Mas devemos reconhecer que a questão do pecado precisa ser tratada primeiro. Todos os nossos pecados são removidos em Cristo. Jesus Cristo nos libertou do pecado de uma vez por todas. “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" [Rm 8:1]. Nenhuma condenação! Por quê? Porque o próprio Cristo lidou de forma permanente com a questão do pecado do passado, do presente e do futuro. Tudo o que nos separou de Deus por causa do pecado é perdoado, e somos colocados pela fé em uma posição de completa justificação diante de Deus. Mesmo quando pecamos novamente, há um perdão que permanece. Nossa redenção é uma redenção eterna, pois está escrito: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça", e "o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica (continua purificando) de todo pecado" [1Jo 1:9; 7]. Hoje a questão é nossa união com Ele. Se permanecermos nessa união com Cristo, não precisaremos estar debaixo de condenação nem mesmo por cinco minutos. Se, quando falhamos, reconhecermos e confessarmos nossos pecados, eles nos serão perdoados. Portanto, a base da paz interior e da liberdade está em Cristo. Somos libertos por meio de Cristo e em Sua Pessoa. Temos que levar a sério a palavra em Romanos 8 e nos firmar nela cheios de alegria: "Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte". Essa é uma condição resultante de uma posição. "EM CRISTO" há liberdade, não há condenação. Assim como Cristo permaneceu no Pai e teve perfeita paz quanto ao pecado, nós — permanecendo em Cristo — poderemos ter perfeita paz. Não é a paz do pecado que foi extirpado de nós, mas a paz resultante da continuidade da virtude purificadora do Sangue.

Mas como podemos, experimentalmente, superar nossa natureza dividida e alcançar tal unidade, tal descanso, tal paz? O caminho é simplesmente o seguinte: à medida que o Senhor Jesus ganha o controle em nossos corações, tornamo-nos cada vez mais unidos a Ele. À medida que nos rendemos cada vez mais a Ele, todo o conflito da mente, do coração e da vontade cessa. A atitude de Cristo foi de absoluta entrega ao Pai. Ele não se reservava em nada, estava pronto para fazer toda a Sua vontade. Não havia conflito. Todo o Seu ser era um com o Pai. À medida que entregamos a vida egoísta, permitindo que Cristo assuma o domínio em nós, Ele põe fim a todo o conflito interior. Um coração inteiramente do Senhor é um coração em paz, um coração conformado à imagem de Cristo. O Senhor disse: "Tomai sobre vós o meu jugo", isto é, "Sejam perfeitamente unidos a Mim”. Um jugo transforma dois seres em um. É por isso que era proibido no Antigo Testamento usar um jugo desigual, colocar um jumento e um boi debaixo do mesmo jugo, pois esses eram dois seres completamente diferentes. O jugo os rasgaria e os machucaria. Mas nos é permitido estar debaixo do mesmo jugo com o Senhor Jesus. O jugo fala de unidade, de comunhão, de ser governado por uma só vontade. Assim, encontramos descanso para nossas almas.

Quanto à paz no âmbito da lei, a questão da guarda do sábado não perturbou o Senhor Jesus nem um pouco. Deus tinha Seu lugar e direitos perfeitos nEle, embora os governantes do povo usassem a lei continuamente contra Ele. Cada dia e cada hora de Sua vida pertenciam ao Seu Deus, ao Seu Pai. Ele cumpriu completamente a lei em Espírito. Os fariseus exigiam a guarda da forma exterior, da letra, e ao fazê-lo pecaram contra o Espírito do sábado. Há muitos cristãos que estão debaixo da lei e, portanto, em escravidão. A saída dessa escravidão é Cristo. Você nunca precisa se preocupar com o dia de sábado se Cristo for o SENHOR em seu coração. A lei foi dada para garantir o lugar e os direitos de Deus. Se Cristo é Senhor em nossas vidas, nós cumprimos a lei. Todo dia é um dia de sábado para aqueles cujo Senhor é Cristo! Se estamos vivendo no verdadeiro significado espiritual da lei, não precisamos nos preocupar com a forma exterior, com a letra. Podemos estar errados quanto à letra, e ainda assim estar certos diante de Deus. O que importa é o sentido espiritual – a Vida – nossa união com Deus, permitindo que Ele opere em nós. Cristo violou o sábado no sentido da letra, mas ninguém em todo o universo cumpriu a lei tão perfeitamente quanto Ele. Ele disse: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Cristo é a verdade e transcende a mera letra. Se Cristo habita em nós, poderemos viver em Seu descanso e paz. Assim, o pecado não terá poder sobre nós. Não precisamos nos preocupar conosco mesmos; não precisamos ter medo de falhar em nossa vida diária.

Cristo é a nossa paz. Cristo é o nosso descanso. Descanso e liberdade sempre significam força. Se não tivermos descanso, não teremos eficácia. Cristo é a nossa suficiência, pois todos os nossos recursos estão nEle.

Que o Senhor nos conduza à Sua paz!

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